26 de ago. de 2009

Os sonhos (Parte II)

Há na história humana vários relatos de mensagens transmitidas por sonhos. Mensagens vinda de um lugar misterioso, de seres misteriosos, de ancestrais e Deuses. Até mesmo no catolicismo a narrativa de pessoas que tiveram "revelações" pode meio de sonhos existem.

Jung ao estudar as religiosidades, destaca este aspecto histórico do sonho e confronta com a nossa realidade atual e cética, que descarta qualquer possibilidade de ver neles algum tipo de mensagem ou conhecimento:

Quando na epopéia babilônica Gilgamesh provoca os deu­ses com sua presunção e sua hybris, estes inventam e criam um homem tão forte como Gilgamesh, a fim de pôr termo às ambições do herói. O mesmo acontece com nosso paciente: é um pensador que pretendia ordenar continuamente o mundo com o poder de seu intelecto e entendimento. Tal ambição con­seguiu pelo menos forjar seu destino pessoal. Submeteu tudo à lei inexorável de seu entendimento, mas em alguma parte a natureza se furtou sorrateiramente, vingando-se dele, sob o dis­farce de um disparate absolutamente incompreensível: a idéia de um carcinoma. Este plano inteligente foi tramado pelo in­consciente, para travá-lo com cadeias cruéis e impiedosas. Foi o mais rude golpe desferido contra seus ideais racionais e principalmente contra sua fé no caráter onipotente da vontade humana. Tal obsessão só pode ocorrer num homem acostumado a abusar da razão e do intelecto para fins egoístas.

Gilgamesh, entretanto, escapou à vingança dos deuses. Teve sonhos que o preveniram contra esses perigos e ele os levou em consideração. Os sonhos lhe mostraram como vencer o ini­migo. Quanto ao nosso paciente, homem de uma época em que os deuses foram eliminados e até mesmo passaram a gozar de má reputação, também teve sonhos, mas não os escutou. Como um homem inteligente poderia ser tão supersticioso a ponto de levar os sonhos a sério? O preconceito, muito difundido, contra os sonhos é apenas um dos sintomas da subestima muito mais grave da alma humana em geral. Ao magnífico desenvolvimento científico e técnico de nossa época, correspondeu uma assus­tadora carência de sabedoria e de introspecção. É verdade que nossas doutrinas religiosas falam de uma alma imortal, mas são muito poucas as palavras amáveis que dirige à psique hu­mana real; esta iria diretamente para a perdição eterna se não houvesse uma intervenção especial da graça divina. Estes im­portantes fatores são responsáveis em grande medida — em­bora não de forma exclusiva —, pela subestima generalizada da psique humana. Muito mais antigo do que estes desenvolvi­mentos relativamente recentes são o medo e a aversão primi­tivos contra tudo o que confina com o inconsciente. (C.G. JUNG - Psicologia e Religião)


Os sonhos na verdade, desde muito tempo são fontes de informações, seja sobre nós mesmos, seja oriundas de "espíritos e Deuses". Segue ainda uma passagem do mesmo texto de Jung e que mostra como a influência da mentalidade ocidental afetou muitas culturas primitivas no que tange a consideração dos sonhos:

A vida do primitivo é acompanhada pela contínua preocupação da possibilidade de perigos psíquicos, e são numerosas as tentativas e procedimentos para reduzir tais riscos. Uma ex­pressão exterior deste fato é a criação de áreas de tabus. Os inumeráveis tabus são áreas psíquicas delimitadas que devem ser religiosamente observadas. Certa vez em que visitava uma tribo das vertentes meridionais do Monte Elgon, cometi um erro terrível. Durante a conversa, quis indagar acerca da casa dos espíritos que muitas vezes encontrara nas florestas, e men­cionei a palavra selelteni, que significa "espírito". Imediata­mente todos se calaram e eu me vi em apuros. Todos desviavam a vista de mim, que pronunciara, em voz alta, uma palavra cuidadosamente evitada, abrindo com isto o caminho para as mais perigosas conseqüências. Tive que mudar de assunto, a fim de poder continuar a conversa. Eles me garantiram que nunca tinham sonhos, privilégio do chefe da tribo e do curandeiro. Este último logo me confessou que não tinha mais sonhos, pois em seu lugar a tribo tinha agora o comissário do distrito. "Depois que os ingleses chegaram ao país, não temos mais sonhos — disse ele —; o comissário sabe tudo a respeito das guerras, das enfermidades, e onde devemos viver". Esta estranha afirmação se deve ao fato de que os sonhos anterior­mente constituíam a suprema instância política, sendo a voz de mungu (o numinoso, Deus). Por isso seria imprudente para um homem comum deixar surgir a suspeita de que tivesse sonhos.

Interessante notar acima que, nas culturas primitivas eram dos sonhos do curandeiro e do chefe que vinham a ordenação social e política daquela cultura. O sonho, neste caso, servia como meio de apreensão de normas e condutas passadas aos mais velhos por seus ancestrais. Um exemplo interessante disso encontramos em um documentário sobre uma tribo indígena brasileira, que colocarei aqui no Baú na próxima postagem.

A questão é, a humanidade de forma geral, em diversas e diferentes culturas, sempre consideraram os sonhos como fonte de conhecimentos e meios de receber mensagens do mundo misterioso que desconhecemos quando da vigília:

Os sonhos são a voz do desconhecido, que sempre está ameaçando com novas intrigas, perigos, sacrifícios, guerras e outras coisas molestas. (...) Há inúmeros ritos mágicos cuja única finalidade é a defesa contra as tendências imprevistas e perigosas do inconsciente. O estranho fato de que o sonho representa, por um lado, a voz e a mensagem divinas e, por outro, uma inesgotável fonte de tribulações, não perturba o espírito primitivo. Encontramos resquícios deste fato primitivo na psicologia dos profetas judeus. Muitas vezes eles hesitam em escutar a voz que lhes fala. E — é preciso admitir — não era fácil para um homem piedoso como Oséias casar-se com uma mulher pública, para obedecer a ordem do Senhor. Desde os albores da humanidade observa-se uma pronunciada propensão a limitar a irrefreável e arbitrária influência do "sobrenatural", mediante fórmulas e leis. E este processo continuou através da história, sob a forma de uma multiplicação de ritos, instituições e convicções. Nos dois últi­mos milênios a Igreja cristã desempenha uma função mediadora e protetora entre essas influências e o homem. Nos escritos da Idade Média não se nega que em certos casos possa haver uma influência divina nos sonhos, mas não se insiste sobre este ponto, e a Igreja se reserva o direito de decidir, em cada caso, se um sonho constitui ou não uma revelação genuína.

Num exce­lente tratado sobre os sonhos e suas funções diz Benedictus Pererius S. J.: "Com efeito, Deus não está ligado às leis do tempo e não precisa de ocasiões determinadas para agir, pois inspira seus sonhos em qualquer lugar, sempre que quiser e a quem quiser". A passagem seguinte lança uma luz interes­sante sobre as relações entre a Igreja e o problema dos sonhos: "Lemos com efeito, na vigésima segunda Colação de Cassiano, que os antigos mestres e guias espirituais dos monges eram versados na investigação e interpretação cuidadosas da origem de certos sonhos". Pererius classifica os sonhos da seguinte maneira: ... "muitos são naturais, vários são humanos e alguns podem ser divinos". Os sonhos têm quatro causas: 1) doença física; 2) afeto ou emoção violenta, produzidos pelo amor, pela esperança, pelo medo ou pelo ódio; 3) o poder e a astúcia do demônio, isto é, de um deus pagão ou do diabo cristão. (...) ; 4) sonhos enviados por Deus. Relativamente aos sinais que indicam origem divina de um sonho diz o autor “...sabemo-lo pelo valor das coisas manifestadas no sonho, ou seja: se, graças a esse sonho, a pessoa fica sabendo de coisas cujo conhecimento só poderia ser alcançado por uma concessão ou dom especial de Deus. Trata-se dos fatos que a Teologia das escolas chama de futuros e daqueles segredos do coração encerrados no mais recôndito da alma escapando por completo ao conhecimento humano e, finalmente, dos mistérios supremos de nossa fé, que não podem ser conhecidos senão por revelação do próprio Deus (!!)..." Por último, chega-se ao conhecimento de seu caráter (divino), principalmente por uma iluminação e uma comoção interior mediante a qual Deus aclara a mente do homem e toca a sua vontade de tal modo, que o convence da veracidade e autenticidade de seu próprio sonho; reconhece também Deus como seu autor, com uma certeza e evidência tão grandes que é obrigado a acreditar, sem a mínima sombra de dúvida".

Estas citações são úteis para mostrar que, longe do que parece, considerar os sonhos como meio de contato com realidades e conhecimentos de origem "sobrenatural" não é novo. Ao contrário, é quase tão antigo quanto a própria humanidade. A inovação Espírita está apenas no fato de tentar estudar sistematicamente os sonhos como elementos mediúnicos, ou seja, de contatos com espíritos.

Coisa curiosa de se notar na última citação, é que os sonhos quando possuem sua origem em um contato "divbino", vêm acompanhados com uma sensação de certeza íntima e absoluta despertada na mente. Não acho que essa característica seja apenas acidental, ou que seja apenas uma descrição "romântica" que vise marcar a distinção entre os sonhos comuns e Místicos. Acho que cada um de nós, ao termos certos sonhos, devemos investigar intimamente as sensações que ele trouxe e depois avaliar internamente a possibilidade de considerarmos "reais ou quiméricos".

Por mais racionais que sejamos, sempre há o que nos escapa a razão, o que apenas pode ser sentido e não falado, nem transmitido por palavras. Há certos sentimentos que acompanham tais sonhos e estes não devem ser ignorados, pois são eles que nos permitem decifrar intimamente o seu significado e a importância que tem em nossas vidas, que são apenas nossas e de mais ninguém. Pois ninguém pode viver a vida do outro, sentir o sentimento do outro e pensar pelas idéias do outro. Há uma espécie de "sentido privado" nestes sonhos que nenhuma teoria pode decifrar de forma adequada, mas apenas apontar...

Porém os sonhos não são Apenas um meio de contato nosso com espíritos. Lembremos que somos uma alma imortal e, segundo premissas estabelecidas pelas religiões espiritualistas, com várias e várias encarnações. Portanto, não somos apenas o nosso Ego atual, mas a soma de todos os egos que já tivemos e que constintui um sentido de "EU" muito superior àquele proferido na auto-referência cotidiana. A psicologia quando aponto os sonhos para o incosnciênte, não erra. Pois estes vários egos que já existiram, pertencem muitas das vezes a esta esfera psicológica a qual os sonhos tem acesso. Em certas ocasiões podem nos ocorrer sonhos que remetam a qualquer destes egos perdidos, ou até mesmo um contato com este EU maior, sem a interferência de nenhum ego.... Porém isso é tema para outra postagem.

Assim que eu conseguir melhor compreender essas relações eu as colocarei aqui no baú.



Quem quiser baixar o Livro Psicologia e Religião do Jung citado nesta postagem basta clicar AQUI.




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