19 de set. de 2010

O Panteão da Terra - Omulú/ Obaluayê (parte 1)

Este texto, fiz a pedido de uma colega que pertence a outro terreiro que não o que eu frequênto. Fiquei muito feliz em fazê-lo, pois é uma forma de contribuir para a desmistificação de um Orixá bem temido na umbanda. Passei anos sem entender (e ainda não entendo, para ser honesta) a razão pela qual muitos terreiros acabam escondendo Obaluayê. Muitos não tem sua imagem no Congá (o terreiro que frequento é um). Algumas vezes não chegam nem a fazer cabeça para filhos de Obaluayê. Em outros lugares ele é confundido com o EXU Omulú, que rege uma linha de quimbanda. O que pode dar origem à compreensões de algumas casas onde a imagem deste Orixá só vai aparecer perto da tronqueira. Fato é que são muitos os absurdos que se escuta falar dele, do velho Omulú, meu pai. E passei anos sem entender a razão pela qual consideravam ruim a energia de um Orixá que, quando eu notava só me trazia bem-estar, que só se aproximava em momentos que eu realmente precisava de ajuda, como um bom pai faz ao cuidar de seus filhos. Por essa razão, quando recebi o convite dessa amiga para redigir este texto, fiquei feliz. Muito feliz. Pois tenho uma compreensão pessoal de meu pai, Omulú, bastante peculiar. Que me foi ensinada pelo preto velho com quem trabalho, além das inúmeras pesquisas feitas para compreender, inclusive, a origem dos "mitos populares" que cercam este Orixá.

Segue abaixo o texto que redigi:

Omulú/ Obaluayê

Este é um Orixá polêmico, conhecido por sua relação com a doenç
a e a morte. Alguns temem o seu poder por considerar perigoso. Mas todas este medo é fruto, na realidade, de uma profunda ignorância e de certos “mitos” que foram cultivados durante anos.
Um dos primeiros equívocos que deve ser desfeito é a consideração dos nomes Omulú para uma qualidade mais nova do orixá e Obaluaiê para uma qualidade mais velha do mesmo orixá. Na realidade, os dois nomes remetem ao mesmo orixá à mesma energia.
O segundo mito que deve ser desfeito é o do temor a este Orixá por sua relação com a morte. Como praticantes de uma religião espiritualista, não devemos entender por “morte” um término, um “fim de linha”, um ponto no tempo onde a vida acaba. Ao contrário: a morte representa fundamentalmente a mudança. A transformação de estados e situações. Um exemplo claro são as fases da vida. Uma vida normalmente é marcada por mudanças: deixar de ser criança, deixar de ser adolescente e tornar-se um adulto. Geralmente escolhemos um fato que demarca, temporalmente, esta mudança: a primeira menstruação de uma menina, o primeiro beijo, etc... São momentos onde adquirimos novas concepções e compreensões de mundo, sobre o que é realmente importante na nossa vida e aquilo que deixa de ser importante. Em uma escala maior podemos pensar na “morte” como uma mudança similar: deixar de ser corpo físico e ser apenas espírito e perispírito, o que faz, naturalmente com que se ganhe novas compreensões de vida, destino, etc. A morte, neste sentido, não é um “fim de linha”, um “término”, mas a marcação de um momento de mudança extrema, seja neste nosso plano material, seja no plano espiritual. Esta é a simbologia do Orixá Omulú que costuma ser tão mal compreendida, quanto são mal compreendidas as fases de grandes mudanças em nossas vidas: uma separação, um momento difícil mas que promove crescimento pessoal, por exemplo. Por isso que muitas vezes o vemos e ouvimos falar deste Orixá como o Orixá dos mistérios da vida e da morte, daquilo que está escondido, oculto para a nossa compreensão. Mas se pensarmos na força deste Orixá como colocamos aqui, Omulú está longe de ser o Orixá que representa a “morte” no sentido ordinário, mas sim o Orixá da continuação, da perseverança, daquele que permanece firme diante das diversidades.
O Elemento natural ao qual está ligado é a terra. A terra é o local onde enterramos nossos mortos, mas é também o local que gera a vida e nos dá o alimento que nos sustenta. Mais uma vez, no elemento terra encontramos a característica da transformação. A fertilidade que dá vida à semente que brota, a fertilidade concedida pelo material orgânico em decomposição na terra. A terra é a base de toda mudança e de toda a transformação. É rica e variada as potencialidades da Terra, aquilo que a terra pode nos trazer. Em um pedaço de terra pode ser formada uma comunidade e enterrado nossos mortos, com terra cultivamos alimentos, com a terra podemos construir nossas casas, bem como criar esculturas em barro. Assim, Omulú, como Orixá da terra, está também associado à riqueza, às possibilidades, às alternativas variadas as quais podemos escolher, sempre. Criar e recriar nossas vidas quantas vezes for necessária. Esse tipo de transformação contínua, faz com que Omulú possa ser relacionado, também, à transmutação que gera vida.
O terceiro mito que deve ser desfeito é aquele que diz ser Omulú o responsável por causar doenças. Ao contrário, Omulú é aquele que cura, tanto as doenças físicas quanto as doenças do espírito. A cada mudança marcas são deixadas, superar essas marcas, significa se desvincular de forma completa do momento que antecedeu à mudança. Significa a Cura, por meio do qual se torna possível seguir em frente sem pendências passadas.
No campo físico, a concepção de Omulú como orixá da cura está relacionada, também, às características deste Orixá. Na mitologia, cada orixá tem um aspecto positivo e outro aspecto que está relacionado à sua ira. Com Oxum, o ciúme; com Ogum, a raiva; com Omulú, a doença. Mas disso não se segue que Omulú seja um Orixá ruim, que promove coisas ruins aos seus filhos. Ao contrário. Como Omulú é também relacionado às doenças, ele passa a ser, principalmente, aquele que as previne e, eventualmente, cura se o problema for de ordem espiritual. É ele quem cuida para que uma comunidade viva de forma saudável.
Desfeitos os mitos que cercam a imagem deste orixá podemos entender melhor que o temor que o cerca tem origem, principalmente na má compreensão das características deste Orixá.
Vimos que Omulú rege as transformações da vida, todas as possibilidades de mudanças, que é associado à terra que é a base de toda a nossa vida e sustento, tanto individual, como da comunidade em que vivemos. Vimos, também, que é ele quem pode nos ajudar a prevenir as doenças e garantir boa saúde à nós e àqueles que nos são próximos. Assim, Omulú está muito distante das concepções equivocadas que podemos encontrar em vários terreiros, na internet e até mesmo em alguns livros. Tais equívocos de compreensão da força deste Orixá, chegam a ser até mesmo contrárias ao que ele de fato representa. Omulú, na verdade, é um grande pai, um grande Orixá, que pode nos fornecer todas as bases sólidas (como a terra em que pisamos) necessárias para uma vida plena, nos ajuda a superar as diversidades e a mudar quando necessário sem medo ou tristeza. É aquele que pode nos ensina a seguir, perseverar, mesmo quando as mudanças nos atropelam, nos orientando e tornando mais fácil lidar com as coisas que não conseguimos entender por completo. Além de ser aquele que pode nos ajudar a manter nossa saúde, física, espiritual e mental.
Mais alguns dados:
Dia da semana: segunda-feira, conhecido também como o dia das almas. Omulú rege a linha das almas pela qual vem todos os pretos velhos. Em alguns lugares, também, ele é regente da linha de entidades que trabalham com cura.
Cores: depende do terreiro, há locais onde as cores deste Orixá são preto e branco leitoso. Em outros locais é preto, vermelho e branco. Há ainda certas certas casas que, dependendo da vibração do orixá Omulú da pessoa admitem também o roxo, como cor própria à Omulú. Porém eu conheço o roxo como cor própria a Nanã.
Locais: cemitérios, praias e grutas. Sim praias, não devemos esquecer a forte ligação que este Orixá possui com mãe Iemanjá.
Elemento: terra.
Área de atuação: Ele é bem popular em relação à cura de doenças. Conhecido também como o orixá responsável pelo momento do desencarne. Porém, acho mais adequado compreendê-lo como simbolizando as mudanças radicais em uma vida, a mudanças de fases, e todos aqueles momentos em que, de certo modo, algo antigo morre para dar lugar ao novo.
Sincretismo: São Lázaro, São Roque e em alguns lugares São Bento.



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