Mandingo (Roque Ferreira)
Devagar com esse nêgo mandingo
Ele sabe apanhar a folha
Sabe mexer na erva
Sabe rezar a reza
Sabe curimar
Quando bate vem cabôco e orixá
Quando dança tudo que é erê vem dançar
Nó de amor que ele faz ninguém desata
Ele é dono do tempo, do vento,
Do mar e da mata
Ele sabe apanhar a folha
Sabe mexer na erva
Sabe rezar a reza
Sabe curimar
Quando bate vem cabôco e orixá
Quando dança tudo que é erê vem dançar
Nó de amor que ele faz ninguém desata
Ele é dono do tempo, do vento,
Do mar e da mata
Ói que esse nêgo malê
Foi rei no Senegal
Vem de lá o seu poder
Para o bem e para o mal
Foi rei no Senegal
Vem de lá o seu poder
Para o bem e para o mal
No pescoço um talismã
Na cintura um tecebá
Seu remédio é curador
Seu veneno é de matar
Na cintura um tecebá
Seu remédio é curador
Seu veneno é de matar
Foi nas águas de Oxum
Que lavou seu colar
Mas é Ogum Xoroquê seu Eledá
Que lavou seu colar
Mas é Ogum Xoroquê seu Eledá
A letra acima retrata um um Negro Malê, bruxo, mandingueiro, daqueles que quando aparecem na umbanda, costumam causar um certo ar de mistério. Muitas vezes as entidades chamadas "kimbandeiras" trazem esse estigma de bruxaria pesada, algumas vezes trazem elementos não apenas da cultura africana, e sim pertencentes a tradições aparentemente "estranhas" ao africanismo. A Cruz de Caravaca; a estrela de 6 pontas chamada , também, como Selo de Salomão; as contas; as rezas; os talismãs; além de um conhecimento mais apurado sobre certos assuntos.
Dizem que estas entidades trabalham com os Exus, por serem estes que na umbanda lidam com as energias mais pesadas de magia. Mas não é este o aspecto que pretendo abordar aqui.
Se buscarmos nas histórias sobre o povo Negro no Brasil, encontramos em Narrativas como a de João do Rio em, As Religiões do Rio, histórias sobre como os negros malês eram mais distantes dos demais negros. Primeiro por serem muçulmanos, segundo por que o islamismo praticado por eles não era isento de sincretismos com religiões locais da África e, portanto, cheias de misticismo e traços de magia. Eram cultos, letrados e dominavam feitiços desconhecidos dos demais negros de origem banta e nagô. Junto ao islamismo, cultuavam, como João do Rio retrata, os aligenum, espíritos ruins, equivalentes aos Djins árabes, mas chamados de Guinnê, dyiné, adjan (Arthur Ramos, As Culturas Negras, Cap.VI).
Não eram tão submissos quanto outros grupos negros, foram protagonistas de revoltas na Bahia, a revolta dos malês, cujo resultado foi praticamente um extermínio desse grupo. Os que não foram mortos, foram pegos e deportados de volta à África, alguns poucos que permaneceram no Brasil, viviam uma vida austera e reservada. Outros se converteram ao cristianismo, como retrata Edison Carneiro (Religiões Negras, 1991,p. 73). Até que com o tempo foram totalmente (ou quase totalmente) extintos, justamente em razão de seu isolamento. Segundo João do Rio: Os alufás [sacerdotes malês] não gostam da gente de santo a que chamam auauadó-chum; a gente de santo despreza os bichos que não comem porco, tratando-os de malês.
Além da evocação aos aligenum, outras curiosidades destacadas por Arthur Ramos sobre os malês são o costume de usar arroz queimado (carvão) para escrever em pequenas tábuas, que depois de lavadas ingeria-se a água da lavagem para adquirir virtudes mágicas; o uso de pequenas bolsas com rezas, orações, seladas por símbolos cabalísticos, tais como o selo de Salomão; O uso do Tecebá, um colar com três séries de 33 contas.
![]() |
Selo de Salomão |
Além dessas curiosidades, há algumas outras retratadas, tal como a
origem de certas expressões como "fazer sala", que se remete às orações feitas pelos malês durante do dia, cujo o primeiro termo da oração era Salah. Também o próprio termo mandinga, cuja origem está no grupo dos mandingos, também, muçulmanos africanos vindos para o Brasil e aqui designados como malês.
origem de certas expressões como "fazer sala", que se remete às orações feitas pelos malês durante do dia, cujo o primeiro termo da oração era Salah. Também o próprio termo mandinga, cuja origem está no grupo dos mandingos, também, muçulmanos africanos vindos para o Brasil e aqui designados como malês.
![]() | |||
Mashbaha Muçulmano com 99 contas, tal como o Tecebá. |
De Acordo com Arthur Ramos, mesmo com extinção dos malês alguns traços de sua cultura permaneceram mescladas à cultura banta, resultando em sincretismos, que podem ser percebidos em terreiros das macumbas com sincretismos variados.
Há mesmo um estudo que trata da influência dos malês nos cultos pernambucanos, cujo link segue abaixo:
Acredito que com esse pequeno resumo já dê para entender um pouco melhor alguns sincretismos que aparecem na umbanda, bem como a música de Roque Ferreira interpretada pela Roberta Sá com o qual encerro essa postagem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário