22 de nov. de 2013

Qual o terreiro de candomblé mais antigo do Brasil?

Hoje, novamente, me deparei com um documentário postado por um amigo de Natal no facebook e que me trouxe várias reflexões, algumas das quais eu coloco aqui.

Existe, ou existiu, certa rixa aqui no Brasil entre terreiros para saber qual é o mais antigo. A antiguidade traria, consequentemente, um status de "pureza" ritual, reafirmando uma identidade originária africana. Na sequência, vem a negação de sincretismos e coisas afins, como forma de validar e revalidar essa identidade. Afinal, sincretismo com catolicismo servia apenas para proteger a religião negra de preconceitos, conforme muitos ainda dizem.

O fato é que esse documentário tenta "resgatar" essa ideia, não explicitamente, mas pelo simples fato de haver no terreiro um marco que registra sua fundação, ainda no séc XVII - Um busto de Castro Alves e a data de 1658. Considerando que nesta época o tráfico de escravos ainda era vigente no país, não parece ser necessário nada a mais para legitimar a antiguidade do culto e, portanto, sua proximidade com as raízes africanas. O documentário retrata um terreiro Jeje, no município de Maragogipe no Recôncavo Baiano. Uma das afirmações fortes que o documentário traz, por parte de um dos historiadores entrevistados, é justamente a negação do sincretismo em prol de uma identidade africana.

Curiosamente, como tenho lido a respeito dos sincretismos, o documentário me fez lembrar de um artigo que li há tempos atrás: As Metamorfoses de Sakpatá, Deus da Varíola  de Claude Lépine. A cultura Jeje, que cultua Voduns, veio da região do Dahomé, justamente a região que Lépine estuda em seu artigo. Ela nos conta que antes de serem migrados para terras escravistas, os negros capturados, passavam um tempo no Dahomé. Nesta região, justamente pela política escravista, foi formado um panteão que reunia todos os deuses das diferentes tribos capturadas. Cito:

Realizou-se também naquele período um trabalho de sistematização e de organização da multiplicidade dos deuses dos povos incorporados ao Danxome.  Este trabalho deve ter sido realizado e se cristalizou no decorrer do século XVII, sob a orientação dos sacerdotes submetidos ao Ajaho (ministro dos cultos), e resultou na elaboração de um panteão. Estabeleceu-se uma classificação do conjunto das entidades, que foram repartidas em nove "coros" (...) Tratava-se de subordinar todos os cultos ao culto real e de fazer dele um símbolo de unidade.

Enfim, mesmo que o culto mais antigo do Brasil, mantenha algo de originário da África, manterá  já um sincretismo formado nas zonas portuárias, onde os escravos de diversas etnias se concentravam antes de embarcarem. E, consequentemente, vários, Voduns, Orixás e Nquices tiveram seus significados mesclados, nomes associados a ponto de se tornarem "qualidades". Houve um "sincretismo" antes mesmo da vinda para o Brasil, ou para outros países escravistas. Mesmo Sapaktá, ou Obaluayê passaram por esse sincretismo sendo relacionados com a Varíola no mesmo período.  Para saber mais um pouco, o blog saravá umbanda copia parte do texto de Lépine.

Onde quero chegar com isso? Não quero desmerecer os terreiros mais antigos, ao contrário. Tenho muito respeito e, com sinceridade, senti vontade de pisar no Terreiro do Pinho, retratado no documentário) e sentir a energia daquele solo. Meu objetivo é, somente tentar mostrar que o conceito de sincretismo é mais profundo do que parece a primeira vista. Sincretismo não se relaciona apenas com a presença de elementos católicos nas religiões afro, ao contrário, antes mesmo da vinda ao Brasil já haviam sincretismos. Um desses "sincretismos" é o da religião trazida pelos Haussás, muçulmanos, tema de uma postagem anterior.

Enfim, Apesar de tantas reflexões, achei o documentário ótimo! Vale muito à pena assistir. Claro que ele traz mais elementos para reflexão. Mas no momento, como estou lendo acerca do sincretismo, essa idéia de "puro" que necessita a sua negação, me chamou mais a atenção.





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