Uma coisa bem curiosa dentro da umbanda é o fato dela ser classificada como religião "afro-brasileira". Claro que as "influências" africanas são incontestáveis uma vez que há a louvação aos Orixás. Por outro lado, a influência da pajelança é também incontestável, não pelo fato de entidades caboclas trabalharem na umbanda, mas por algumas característica do trabalho de umbanda.
A pajalença a qual me refiro como possível influência é que trabalha com os encantados, já caracterizada como cabocla e não indígena propriamente dita. Esta influência pode ser afirmada pelo fato de haver, nesse tipo de pajelança, características que também podem ser encontradas na umbanda: 1) O pajé é medianeiro para os chamados "Caruanas" (encantados) que trabalham na cura das pessoas. Esta característica, segundo HAUÉS (1998), foi herdada dos índios Tupis e configuram uma pratica diferenciada de xamanismo em relação a outros povos indígenas; 2) O trabalho com o fumo; 2) trabalho com ervas; 3) a dança ritual característica de certos caruanas, que nada tem a ver com a dança dos Orixás dentro do candomblé; e 4) a crença em locais mágicos como a Jurema (na umbanda una-se também Aruanda, Humaitá, etc.) onde certas entidades residiriam - característica que não é comum ao candomblé, por exemplo.
O artigo "Pajelança e encantaria amazônica", do pesquisador mencionado acima, parece mesmo frisar a dificuldade de se encontrar hoje em dia a pajelança tal como praticada originalmente nas tribos, já que desde tempos remotos (sec.XVII e XVIII) eram enviados agentes do Santo ofício fiscalizar as regiões Amazônicas a fim de censurar a prática da Pajelança. Segundo o pesquisador, até tempos mais recentes os Pajés tinham que buscar autorização policial para exercer sua prática.
O resultado desta perseguição, foi a mistura da cultura indígena original, com traços europeus (muito mais traços do Sebastianismo Português), com traços africanos. Mais recentemente, nos dois casos das pajés femininas retratadas no artigo citado, identifica-se a mistura entre "umbanda", pajelança e até mesmo traços do kardecismo na forma pessoal como uma das pajés explica a dedicação que tem à pajelança.
O propósito do artigo é, no final das contas, traçar pontos comuns nas variações encontradas entre as pajelanças pesquisadas. Porém, o que eu gostaria de trazer à reflexão, a partir deste artigo, é o amalgama que vai aparecendo da pajelança, muito em função da criminalização que esta sobreu desde tempos remotos. Uno a essa reflexão a experiência pessoal de conversas que travei com uma indígena Fulni-ô, além de alguns traços que pude obserservar presentes em outras tribos indígenas como os Xukurú (Pesqueira/PE) que aparecem em vídeos como os que colocarei mais abaixo nessa postagem.
O artigo citado começa justamente separando o tipo de pajelança estudada, o da encantaria e rituais da jurema, daquela pajelança indígena propriamente dita. Ao mesmo tempo, é apresentada uma "historia" breve da criminalização da pajelança, cuja consequência foi o massacre dessa cultura e a consequente mistura ocorrida entre pajelança, religiões afros e cultura européia.
Minha questão versa justamente sobre a possibilidade de podermos separar nos dias atuais a pajelança dos ritos de jurema, daquela pajelança praticada pelos descendentes diretos de etnias indígenas.
Comecei a me fazer essa pergunta quando conheci uma descendente direta da tribo Fulni-ô de PE. Uma Pajé, conhecedora das ervas e dos rituais de cura de sua tribo, que para poder sobreviver a partir de sua terapia, resolveu estudar reiki para, junto com o reiki, poder atender também com o conhecimento adiquirido em sua tribo. Certamente é uma pessoa especial, com papo agradabilíssimo, por quem tenho grande apreço. Por duas vezes, ao conversarmos sobre o conhecimento dela de ervas e coisas afins, me intrigou algumas colocações dela: uma foi ela frisar que no caso de certas "macumbas" as ervas são usadas de formas distintas. Até aí tudo bem, pois, entre Umbandas de escolas diferentes as ervas são usadas de formas distintas. Mas realmente fiquei intrigada quando ela mencionou, rapidamente, que o seu talento para a pajelança estava relacionada ao fato dela ser filha de "EWA". Quase tomei um susto! EWA afinal é um orixá.
Depois disso, em um documentário "índios do Brasil" (a parte que mencionarei aqui está no final do vídeo) que aborda parte da religiosidade de tribos indígenas, mostra, entre outras práticas e concepções de sacralidade, a prática da tribo dos Pankararú, (PE). Os Pankararú, assim como outras tribos da região nordeste, cultuam os "encantados". O curioso é observar as formas como esse culto ocorre, os Pankararús mantém até mesmo um "Peji" (termo africano que designa uma casa, local, onde se guardam o assentamento dos Orixás), onde estão "todos os encantados" e onde reside toda força dos rituais. Curiosa é a forma como essa casinha é descrita pela Pankararú do vídeo: "aí dentro dessa casa tem um oratório com um cruzeiro, com cruz, com santo, com todo mundo e tem eles aí. Quem passa e não sabe não diz nada, mas a força todinha tá aqui."
Algumas tribos cultuam seu sagrado com nítidas influências afro. Outras, como as tribos Xukurú que vivem na Serra do Ororubá em Pesqueira, PE, guardam fortes influência da encantaria "moderna". Usam velas, cantam pontos da Jurema Sagrada e Pontos de caboclos que possuem saudações à Oxossi. Isso pode ser atestado nos seguintes vídeos:
XUKURÚ ORORUBÁ - Teaser
O CANTO XUKURÚ
Creio que entre povos, principalmente da regiao do nordeste (curiosamente os 3 povos mencionados são de PE), ocorreu um tipo de "sincretismo próprio" nas religiosidades indígenas. Entendendo por sincretismo, claro, qualquer traço de mistura de assimilação de sentidos entre elementos de culturas diferentes, coisas do tipo.
Ao ver os vídeos acima, me perguntei se eles tem consciência deste sincretismo formado. No caso da Fulni-ô conhecida minha, há essa consciência. Ela mesmo adimite que, mesmo nascida na tribo, tendo recebido os ensinamentos de sua cultura, é impossível que em 500 anos de história essa cultura não encontre traços de misturas.
A primeira conclusão desta reflexão é que não sei se concordo com o pressuposto do artigo mencionado aqui, que separa a pajelança indígena da pagelança da encantaria.
A segunda conclusão é poder considerar válido sincretismos fora da esfera da umbanda., em religiosidades que podem ser consideradas mais "puras". Não é novidade que há no candomblé sincretismo, mas me parece uma informação nova que haja tantos sincretismos dentro das religiosidades pertencentes aos nossos "nativos". É sincrética toda religião que assuma para si sentidos e significados que não lhe são originais, mais que migraram de outras culturas, ou de outras religiosidades. Pensando dessa forma grande parte das religiões existentes hoje possuem algum traço de sincretismo.
A terceira conclusão, a mais interessante, é perceber que se a cultura indígena formou sincretismos e foi, com o tempo, se moldando e internalizando elementos da cultura africana e do que hoje é chamado de encantaria cabocla (e não indígena). Traçando uma escala "progressista" - como às vezes se faz com as antigas macumbas e candomblés de caboclo, dizendo que eles "progrediram" para a umbanda - pode ser possível concluir que a umbanda nasceu da pajelança.
Enfim, sendo ou não sendo essa a Origem da umbanda, encontramos nos trabalhos de umbanda pelo menos de 50% à 30% de práticas comuns a encantaria. Isso conforme for maior ou menor a influência desta sobre a umbanda. Do mesmo modo podemos encontrar de 50% a 30% de práticas comuns aos candomblés, de acordo com a influência que esta umbanda sofra do candomblé.
Interessante notar que a idéia de incorporação de espíritos que atuem sobre o Pajé não parece ter sua origem no kardecismo. Segundo o artigo aqui mencionado e linkado, se há influência do kardecismo este se restringe a concepção pessoal pela qual cada uma das Pajés mencionadas no texto entenderá seu caminho particular dentro da encantaria. Assim, se considerarmos a umbanda como religião derivada ou dos candomblés, ou da pajelança, não podemos considerar totalmente que o kardecismo realmente faça parte constitutiva dos ritos praticados na umbanda.
A pajalença a qual me refiro como possível influência é que trabalha com os encantados, já caracterizada como cabocla e não indígena propriamente dita. Esta influência pode ser afirmada pelo fato de haver, nesse tipo de pajelança, características que também podem ser encontradas na umbanda: 1) O pajé é medianeiro para os chamados "Caruanas" (encantados) que trabalham na cura das pessoas. Esta característica, segundo HAUÉS (1998), foi herdada dos índios Tupis e configuram uma pratica diferenciada de xamanismo em relação a outros povos indígenas; 2) O trabalho com o fumo; 2) trabalho com ervas; 3) a dança ritual característica de certos caruanas, que nada tem a ver com a dança dos Orixás dentro do candomblé; e 4) a crença em locais mágicos como a Jurema (na umbanda una-se também Aruanda, Humaitá, etc.) onde certas entidades residiriam - característica que não é comum ao candomblé, por exemplo.
O artigo "Pajelança e encantaria amazônica", do pesquisador mencionado acima, parece mesmo frisar a dificuldade de se encontrar hoje em dia a pajelança tal como praticada originalmente nas tribos, já que desde tempos remotos (sec.XVII e XVIII) eram enviados agentes do Santo ofício fiscalizar as regiões Amazônicas a fim de censurar a prática da Pajelança. Segundo o pesquisador, até tempos mais recentes os Pajés tinham que buscar autorização policial para exercer sua prática.
O resultado desta perseguição, foi a mistura da cultura indígena original, com traços europeus (muito mais traços do Sebastianismo Português), com traços africanos. Mais recentemente, nos dois casos das pajés femininas retratadas no artigo citado, identifica-se a mistura entre "umbanda", pajelança e até mesmo traços do kardecismo na forma pessoal como uma das pajés explica a dedicação que tem à pajelança.
O propósito do artigo é, no final das contas, traçar pontos comuns nas variações encontradas entre as pajelanças pesquisadas. Porém, o que eu gostaria de trazer à reflexão, a partir deste artigo, é o amalgama que vai aparecendo da pajelança, muito em função da criminalização que esta sobreu desde tempos remotos. Uno a essa reflexão a experiência pessoal de conversas que travei com uma indígena Fulni-ô, além de alguns traços que pude obserservar presentes em outras tribos indígenas como os Xukurú (Pesqueira/PE) que aparecem em vídeos como os que colocarei mais abaixo nessa postagem.
O artigo citado começa justamente separando o tipo de pajelança estudada, o da encantaria e rituais da jurema, daquela pajelança indígena propriamente dita. Ao mesmo tempo, é apresentada uma "historia" breve da criminalização da pajelança, cuja consequência foi o massacre dessa cultura e a consequente mistura ocorrida entre pajelança, religiões afros e cultura européia.
Minha questão versa justamente sobre a possibilidade de podermos separar nos dias atuais a pajelança dos ritos de jurema, daquela pajelança praticada pelos descendentes diretos de etnias indígenas.
Comecei a me fazer essa pergunta quando conheci uma descendente direta da tribo Fulni-ô de PE. Uma Pajé, conhecedora das ervas e dos rituais de cura de sua tribo, que para poder sobreviver a partir de sua terapia, resolveu estudar reiki para, junto com o reiki, poder atender também com o conhecimento adiquirido em sua tribo. Certamente é uma pessoa especial, com papo agradabilíssimo, por quem tenho grande apreço. Por duas vezes, ao conversarmos sobre o conhecimento dela de ervas e coisas afins, me intrigou algumas colocações dela: uma foi ela frisar que no caso de certas "macumbas" as ervas são usadas de formas distintas. Até aí tudo bem, pois, entre Umbandas de escolas diferentes as ervas são usadas de formas distintas. Mas realmente fiquei intrigada quando ela mencionou, rapidamente, que o seu talento para a pajelança estava relacionada ao fato dela ser filha de "EWA". Quase tomei um susto! EWA afinal é um orixá.
Depois disso, em um documentário "índios do Brasil" (a parte que mencionarei aqui está no final do vídeo) que aborda parte da religiosidade de tribos indígenas, mostra, entre outras práticas e concepções de sacralidade, a prática da tribo dos Pankararú, (PE). Os Pankararú, assim como outras tribos da região nordeste, cultuam os "encantados". O curioso é observar as formas como esse culto ocorre, os Pankararús mantém até mesmo um "Peji" (termo africano que designa uma casa, local, onde se guardam o assentamento dos Orixás), onde estão "todos os encantados" e onde reside toda força dos rituais. Curiosa é a forma como essa casinha é descrita pela Pankararú do vídeo: "aí dentro dessa casa tem um oratório com um cruzeiro, com cruz, com santo, com todo mundo e tem eles aí. Quem passa e não sabe não diz nada, mas a força todinha tá aqui."
Algumas tribos cultuam seu sagrado com nítidas influências afro. Outras, como as tribos Xukurú que vivem na Serra do Ororubá em Pesqueira, PE, guardam fortes influência da encantaria "moderna". Usam velas, cantam pontos da Jurema Sagrada e Pontos de caboclos que possuem saudações à Oxossi. Isso pode ser atestado nos seguintes vídeos:
XUKURÚ ORORUBÁ - Teaser
O CANTO XUKURÚ
Creio que entre povos, principalmente da regiao do nordeste (curiosamente os 3 povos mencionados são de PE), ocorreu um tipo de "sincretismo próprio" nas religiosidades indígenas. Entendendo por sincretismo, claro, qualquer traço de mistura de assimilação de sentidos entre elementos de culturas diferentes, coisas do tipo.
Ao ver os vídeos acima, me perguntei se eles tem consciência deste sincretismo formado. No caso da Fulni-ô conhecida minha, há essa consciência. Ela mesmo adimite que, mesmo nascida na tribo, tendo recebido os ensinamentos de sua cultura, é impossível que em 500 anos de história essa cultura não encontre traços de misturas.
A primeira conclusão desta reflexão é que não sei se concordo com o pressuposto do artigo mencionado aqui, que separa a pajelança indígena da pagelança da encantaria.
A segunda conclusão é poder considerar válido sincretismos fora da esfera da umbanda., em religiosidades que podem ser consideradas mais "puras". Não é novidade que há no candomblé sincretismo, mas me parece uma informação nova que haja tantos sincretismos dentro das religiosidades pertencentes aos nossos "nativos". É sincrética toda religião que assuma para si sentidos e significados que não lhe são originais, mais que migraram de outras culturas, ou de outras religiosidades. Pensando dessa forma grande parte das religiões existentes hoje possuem algum traço de sincretismo.
A terceira conclusão, a mais interessante, é perceber que se a cultura indígena formou sincretismos e foi, com o tempo, se moldando e internalizando elementos da cultura africana e do que hoje é chamado de encantaria cabocla (e não indígena). Traçando uma escala "progressista" - como às vezes se faz com as antigas macumbas e candomblés de caboclo, dizendo que eles "progrediram" para a umbanda - pode ser possível concluir que a umbanda nasceu da pajelança.
Enfim, sendo ou não sendo essa a Origem da umbanda, encontramos nos trabalhos de umbanda pelo menos de 50% à 30% de práticas comuns a encantaria. Isso conforme for maior ou menor a influência desta sobre a umbanda. Do mesmo modo podemos encontrar de 50% a 30% de práticas comuns aos candomblés, de acordo com a influência que esta umbanda sofra do candomblé.
Interessante notar que a idéia de incorporação de espíritos que atuem sobre o Pajé não parece ter sua origem no kardecismo. Segundo o artigo aqui mencionado e linkado, se há influência do kardecismo este se restringe a concepção pessoal pela qual cada uma das Pajés mencionadas no texto entenderá seu caminho particular dentro da encantaria. Assim, se considerarmos a umbanda como religião derivada ou dos candomblés, ou da pajelança, não podemos considerar totalmente que o kardecismo realmente faça parte constitutiva dos ritos praticados na umbanda.
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