Porém, não é só de antropologia que vive o homem e muito menos uma religião espiritualista. Sim, espiritualista!
Defino a umbanda como espiritualista e, de certo modo, universalista. Pois minha prática tem me levado a crer que não há limites para as entidades. As grandes limitações são humanas e da compreensão humana acerca da religião. Definir o que é e o que não é da umbanda é uma necessidade tão somente humana, que, se investigada mais a fundo, vemos que dá à religião e à espiritualidade uma limitação imposta pela nossa cognição.
Acredito que todas as religiões passam por essa dificuldade quando se vêem diante da questão da "definição", da busca de "identidade", uma afirmação de si... Da mesma forma que para definirmos quem somos, temos que negar outros, a definição de uma religião é mais excludente que afirmativa.
Portanto, antes que alguns que venham a ler estas palavras julguem qualquer das coisas ditas, quero que pensem, pelo menos um pouco, sobre o fato de não encontrarmos na umbanda um "corpus doutrinário", mas apenas um grupo de rituais próprios que a definem enquanto prática religiosa.
Ora, não é novidade dizer que a umbanda na prática, tem elementos africanos e indígenas fortes. Que haja na umbanda o sincretismo e o uso de elementos católicos (cruzeiros, velas, por exemplo) também não é novidade. A prática ritual é um grande amálgama, cuja grande explicação transcende às análises históricas e antropológicas. O fato é que nossas entidades trazem para o contexto da umbanda, na prática, a linguagem de todos os tempos e de diversas culturas. Razão pela qual é praticamente impossível aos humanos, em sua capacidade limitada de explicação das coisas, entender adequadamente as diversas variações encontradas nas entidades e, consequentemente, nas casas de umbanda, para ,a partir, daí construir um "corpus doutrinário", que muitos julgam necessário para definição da umbanda como religião.
Um exemplo desta necessidade é a FTU (faculdade de teologia umbandista) que busca justamente traçar de forma teórica os princípios das crenças praticadas na umbanda. Outro exemplo são as tentativas do Rubens Saraceni em tentar dar, à prática umbandista, um sentido mágico no modelo da alta magia prescrita por Eliphas Levy e compania.
Não pretendo aqui desmerecer essas tentativas, apesar de não coadunar com tais perspectivas. Acho que todo praticante tem o direito de buscar para si uma significação e um sentido para sua prática. Mas o que deve ser respeitado na umbanda, enquanto prática, é justamente a pluralidade de origens e a pluralidade de "doutrinas" que possam aparecer em seu interior. Não podemos, por exemplo, forçar que uma entidade do oriente se comporte ou atue como um caboclo da mata, ou exigir de um preto velho quimbandeiro que se comporte ou atue como uma entidade do oriente. Como espíritos individualizados, nossas entidades também trazem aprendizados e concepções próprias que devem ser respeitadas, tanto quanto desejamos respeito em nossas diferenças.
O verdadeiro adepto da umbanda, o praticante sincero, irá ceder em suas pré-concepções e absorver de forma tácita este aprendizado, sabendo que qualquer tentativa de verbalizar ou de formalizar tal conhecimento será, sempre e fatalmente, mais uma visão, opinião, concepção pessoal, "doxia", que pode ser submetida a análise de outro e fadada ao erro.
Portanto, não tenho, aqui, a pretensão de falar de uma "teologia umbandista", nem de tampouco prescrever uma "doutrina". Minha intensão é apenas de transcrever aqui algumas das reflexões que as conversas e a vivência com minhas entidades me fizeram ter, sabendo que qualquer coisa aqui escrita não passará de concepção individual da umbanda, como eles me ensinam.
Tenho certeza que, algumas vezes, as coisas aqui escritas parecerão demasiado teóricas, ou, até mesmo místicas e universalistas demais para a prática de terreiro. Mas tenho consciência, e cada dia mais, de que a prática realizada nos terreiros é apenas um quinto do que a espiritualidade como um todo possui. E que qualquer de nós, até mesmo eu, não tem acesso a mais de 15% de todo conhecimento envolvido nas práticas rituais, nos nomes e cântigos entoados no terreiro, nos segredos envolvidos num simples defumador, entre outras coisas que, de tão comuns a nossa prática deixaram de ser pensadas pelos adeptos. Repito: pensadas e não questionadas....
Portanto hoje, abrirei aqui neste blog uma nova perspectiva de entendimento. Ficarei feliz se pelo menos um leitor conseguir entender meu intuito de forma adequada e sem preconceitos. E mais feliz ainda ficarei, ao receber críticas, sinal que meu aprendizado está sendo compartilhado e pensado por diferentes cabeças e diferentes vivências.
Sempre lembrando que cada aprendizado é individual, cada escola umbandista é um universo que encerra em si mesmo todos os mistérios necessários para a prática espiritual, e que achar uma unidade comum entre práticas da umbanda é praticamente impossível, para não dizer, uma pretenção leviana...