19 de set. de 2010

O Panteão da Terra - Omulú/ Obaluayê (parte 1)

Este texto, fiz a pedido de uma colega que pertence a outro terreiro que não o que eu frequênto. Fiquei muito feliz em fazê-lo, pois é uma forma de contribuir para a desmistificação de um Orixá bem temido na umbanda. Passei anos sem entender (e ainda não entendo, para ser honesta) a razão pela qual muitos terreiros acabam escondendo Obaluayê. Muitos não tem sua imagem no Congá (o terreiro que frequento é um). Algumas vezes não chegam nem a fazer cabeça para filhos de Obaluayê. Em outros lugares ele é confundido com o EXU Omulú, que rege uma linha de quimbanda. O que pode dar origem à compreensões de algumas casas onde a imagem deste Orixá só vai aparecer perto da tronqueira. Fato é que são muitos os absurdos que se escuta falar dele, do velho Omulú, meu pai. E passei anos sem entender a razão pela qual consideravam ruim a energia de um Orixá que, quando eu notava só me trazia bem-estar, que só se aproximava em momentos que eu realmente precisava de ajuda, como um bom pai faz ao cuidar de seus filhos. Por essa razão, quando recebi o convite dessa amiga para redigir este texto, fiquei feliz. Muito feliz. Pois tenho uma compreensão pessoal de meu pai, Omulú, bastante peculiar. Que me foi ensinada pelo preto velho com quem trabalho, além das inúmeras pesquisas feitas para compreender, inclusive, a origem dos "mitos populares" que cercam este Orixá.

Segue abaixo o texto que redigi:

Omulú/ Obaluayê

Este é um Orixá polêmico, conhecido por sua relação com a doenç
a e a morte. Alguns temem o seu poder por considerar perigoso. Mas todas este medo é fruto, na realidade, de uma profunda ignorância e de certos “mitos” que foram cultivados durante anos.
Um dos primeiros equívocos que deve ser desfeito é a consideração dos nomes Omulú para uma qualidade mais nova do orixá e Obaluaiê para uma qualidade mais velha do mesmo orixá. Na realidade, os dois nomes remetem ao mesmo orixá à mesma energia.
O segundo mito que deve ser desfeito é o do temor a este Orixá por sua relação com a morte. Como praticantes de uma religião espiritualista, não devemos entender por “morte” um término, um “fim de linha”, um ponto no tempo onde a vida acaba. Ao contrário: a morte representa fundamentalmente a mudança. A transformação de estados e situações. Um exemplo claro são as fases da vida. Uma vida normalmente é marcada por mudanças: deixar de ser criança, deixar de ser adolescente e tornar-se um adulto. Geralmente escolhemos um fato que demarca, temporalmente, esta mudança: a primeira menstruação de uma menina, o primeiro beijo, etc... São momentos onde adquirimos novas concepções e compreensões de mundo, sobre o que é realmente importante na nossa vida e aquilo que deixa de ser importante. Em uma escala maior podemos pensar na “morte” como uma mudança similar: deixar de ser corpo físico e ser apenas espírito e perispírito, o que faz, naturalmente com que se ganhe novas compreensões de vida, destino, etc. A morte, neste sentido, não é um “fim de linha”, um “término”, mas a marcação de um momento de mudança extrema, seja neste nosso plano material, seja no plano espiritual. Esta é a simbologia do Orixá Omulú que costuma ser tão mal compreendida, quanto são mal compreendidas as fases de grandes mudanças em nossas vidas: uma separação, um momento difícil mas que promove crescimento pessoal, por exemplo. Por isso que muitas vezes o vemos e ouvimos falar deste Orixá como o Orixá dos mistérios da vida e da morte, daquilo que está escondido, oculto para a nossa compreensão. Mas se pensarmos na força deste Orixá como colocamos aqui, Omulú está longe de ser o Orixá que representa a “morte” no sentido ordinário, mas sim o Orixá da continuação, da perseverança, daquele que permanece firme diante das diversidades.
O Elemento natural ao qual está ligado é a terra. A terra é o local onde enterramos nossos mortos, mas é também o local que gera a vida e nos dá o alimento que nos sustenta. Mais uma vez, no elemento terra encontramos a característica da transformação. A fertilidade que dá vida à semente que brota, a fertilidade concedida pelo material orgânico em decomposição na terra. A terra é a base de toda mudança e de toda a transformação. É rica e variada as potencialidades da Terra, aquilo que a terra pode nos trazer. Em um pedaço de terra pode ser formada uma comunidade e enterrado nossos mortos, com terra cultivamos alimentos, com a terra podemos construir nossas casas, bem como criar esculturas em barro. Assim, Omulú, como Orixá da terra, está também associado à riqueza, às possibilidades, às alternativas variadas as quais podemos escolher, sempre. Criar e recriar nossas vidas quantas vezes for necessária. Esse tipo de transformação contínua, faz com que Omulú possa ser relacionado, também, à transmutação que gera vida.
O terceiro mito que deve ser desfeito é aquele que diz ser Omulú o responsável por causar doenças. Ao contrário, Omulú é aquele que cura, tanto as doenças físicas quanto as doenças do espírito. A cada mudança marcas são deixadas, superar essas marcas, significa se desvincular de forma completa do momento que antecedeu à mudança. Significa a Cura, por meio do qual se torna possível seguir em frente sem pendências passadas.
No campo físico, a concepção de Omulú como orixá da cura está relacionada, também, às características deste Orixá. Na mitologia, cada orixá tem um aspecto positivo e outro aspecto que está relacionado à sua ira. Com Oxum, o ciúme; com Ogum, a raiva; com Omulú, a doença. Mas disso não se segue que Omulú seja um Orixá ruim, que promove coisas ruins aos seus filhos. Ao contrário. Como Omulú é também relacionado às doenças, ele passa a ser, principalmente, aquele que as previne e, eventualmente, cura se o problema for de ordem espiritual. É ele quem cuida para que uma comunidade viva de forma saudável.
Desfeitos os mitos que cercam a imagem deste orixá podemos entender melhor que o temor que o cerca tem origem, principalmente na má compreensão das características deste Orixá.
Vimos que Omulú rege as transformações da vida, todas as possibilidades de mudanças, que é associado à terra que é a base de toda a nossa vida e sustento, tanto individual, como da comunidade em que vivemos. Vimos, também, que é ele quem pode nos ajudar a prevenir as doenças e garantir boa saúde à nós e àqueles que nos são próximos. Assim, Omulú está muito distante das concepções equivocadas que podemos encontrar em vários terreiros, na internet e até mesmo em alguns livros. Tais equívocos de compreensão da força deste Orixá, chegam a ser até mesmo contrárias ao que ele de fato representa. Omulú, na verdade, é um grande pai, um grande Orixá, que pode nos fornecer todas as bases sólidas (como a terra em que pisamos) necessárias para uma vida plena, nos ajuda a superar as diversidades e a mudar quando necessário sem medo ou tristeza. É aquele que pode nos ensina a seguir, perseverar, mesmo quando as mudanças nos atropelam, nos orientando e tornando mais fácil lidar com as coisas que não conseguimos entender por completo. Além de ser aquele que pode nos ajudar a manter nossa saúde, física, espiritual e mental.
Mais alguns dados:
Dia da semana: segunda-feira, conhecido também como o dia das almas. Omulú rege a linha das almas pela qual vem todos os pretos velhos. Em alguns lugares, também, ele é regente da linha de entidades que trabalham com cura.
Cores: depende do terreiro, há locais onde as cores deste Orixá são preto e branco leitoso. Em outros locais é preto, vermelho e branco. Há ainda certas certas casas que, dependendo da vibração do orixá Omulú da pessoa admitem também o roxo, como cor própria à Omulú. Porém eu conheço o roxo como cor própria a Nanã.
Locais: cemitérios, praias e grutas. Sim praias, não devemos esquecer a forte ligação que este Orixá possui com mãe Iemanjá.
Elemento: terra.
Área de atuação: Ele é bem popular em relação à cura de doenças. Conhecido também como o orixá responsável pelo momento do desencarne. Porém, acho mais adequado compreendê-lo como simbolizando as mudanças radicais em uma vida, a mudanças de fases, e todos aqueles momentos em que, de certo modo, algo antigo morre para dar lugar ao novo.
Sincretismo: São Lázaro, São Roque e em alguns lugares São Bento.



1 de ago. de 2010

O Povo Brasileiro

Segue nesta postagem um link para o documentário baseado na obra de Darcy Ribeiro "O Povo Brasileiro".

Documentário sobre a obra homônima de Darcy Ribeiro
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01ª A Matriz Tupi
www.youtube.com/view_play_list?p=F0E6ACE1C21608ED
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02ª A Matriz Lusa
www.youtube.com/view_play_list?p=92034F204E23C6C7
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03ª A Matriz Afro
www.youtube.com/view_play_list?p=51742A478F93579F
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04ª Encontros e Desencontros
www.youtube.com/view_play_list?p=4273C7A7E4CCDD7A
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05ª Brasil Crioulo
www.youtube.com/view_play_list?p=B83BC4A62695CBEC
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06ª Brasil Sertanejo
www.youtube.com/view_play_list?p=83EEBCF592DD5FDE
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07ª Brasil Caipira
www.youtube.com/view_play_list?p=219BD30D1A57C050
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08ª Brasil Sulino
www.youtube.com/view_play_list?p=9C9CD45696689540
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09ª Brasil Caboclo
www.youtube.com/view_play_list?p=57A63B13D8332D3A
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10ª A invenção do Brasil
www.youtube.com/view_play_list?p=9D2711C3156D4975


O interessante deste documentário são as partes onde Darcy identifica na miscigenação a forma de uma nova etnia. Trata-se da formação de um brasil sem identidade, pois já não é mais negra, nem índia, nem Europeia. Um "mot" interessante para pensarmos e refletirmos acerca da umbanda, essa religiosidade autenticamente brasileira, sem identidade ou etnia.
Vale refletir, junto com Darcy, sobre a figura do caboclo. Bem como vale refletir sobre a origem do sincretismo.

14 de jul. de 2010

Sentimento religioso, fé, fé raciocinada, razão (sobre o uso de elementos materiais na umbanda)

Esta postagem dedico a uma amiga, com quem tive uma conversa incômoda, mas que muito me fez refletir sobre o tema.

Quais são as razões que fazem com que adentremos a uma religião? Até onde a razão pode interferir no sentimento religioso? E, principalmente, até onde a fé raciocinada é ou não nociva ao sentimento religioso?

Essas foram as questões que permearam nossa conversa, cujo tema específico não cabe expor neste espaço. Mas cabe neste espaço, expor as reflexões que se seguiram da conversa, sobre as questões acima mencionadas. Subjaz a este debate conceitos de alienação e dominação, por razões que mais a frente exporei melhor.

Na prática, conversa começou por causa da interpretação de um termo, que gerou certa revolta nesta amiga. Inicialmente ela considerou injusta a falta de informação a respeito, entendendo o termo no sentido usual do candomblé. Estava em jogo nesta conversa o uso de elementos materiais na umbanda, se necessário ou desnecessário.

Tentava eu, na ocasião, explicar a ela que os elementos materiais não são utilizados no sentido literal dos termos que são denominados: “dar comida ao santo”, “botar a entidade pra fumar”, e outras expressões que geram equívocos. Umbanda envolve mais que o simples uso de elementos materiais, mas sim a preconcepção de que todas as coisas existentes possuem energias diferenciadas e que podem ser manipuladas com um propósito. Assim como a luz do sol alimenta as folhas de uma planta e gera vida, assim como a terra pode ser usada tanto como solo para a produção de alimentos quanto para a cura, por meio da argila e tantas outras coisas na natureza podem ser transmutadas na prática cotidiana com uma finalidade específica, na umbanda nossas entidades transmutam as energias destes elementos com determinado fim.

Certa vez, alguns anos atrás, lendo o “Tratado de Magia” de Giordano Bruno, a fim de entender o chamado “animismo” do mundo, me deparei com a afirmativa que os elementos da natureza se integravam (como a água e o açúcar) ou se repeliam (como água e óleo) de acordo com a “lei da afinidade” entre os elementos. Minha surpresa ao ler tal afirmativa está no fato de não haver mais hoje, a concepção do universo todo como animado de Bruno, a ponto de se conceber “afinidades de ânima” entre as coisas materiais. Assim Bruno explicava porque certos elementos químicos se uniam e outros não. Porque certos metais podiam ser fundidos com bons resultados e outros não, e todas as demais coisas que, nos dias atuais, encontram outra justificativa que não a lei da afinidade.

Poderíamos situar nossas entidades neste pensamento antigo, onde todas as coisas materiais respondem, em seus ânimos, a certas afinidades e contrariedades. Trabalham assim o uso de certos alimentos a um orixá específico, e especificam a impossibilidade do uso deste alimento para este mesmo orixá como “kizilas”. Do mesmo modo, o ânima, ou a energia presente em certos elementos, favorecem certos aspectos anímicos aos filhos de um orixá e não de outro. Isso pode explicar, por exemplo o uso de determinados elementos ou de determinados alimentos em certos rituais, considerados fundamentais na vida religiosa de um adepto de umbanda e candomblé.

Um exemplo de como tais energias podem atuar, mesmo que o uso seja indireto (ou seja, que não toque o corpo do adepto) é pela energia circundante. Quando defumamos um ambiente, por exemplo, trabalhamos a energia circundante. Ao colocarmos um copo de água ao lado da vela do anjo da guarda, trabalhamos a energia circundante. O mesmo pode ser referido a todas as demais firmezas que cercarão o ambiente do adepto na hora do rito.

É um processo Magistico, e Bruno bem sabia que a grande magia envolvida nisso é a magia natural, própria ao universo, sem nada de possuir de obscuro ou que já não esteja presente no nosso dia-a-dia.

Um exemplo simples para ilustrar o que digo é o ato diário de preparo de um alimento. Porque certos temperos caem melhor com um alimento que com outro? Porque alguns alimentos são servidos frios e outros quentes? Porque usamos o calor no preparo dos alimentos? Porquê alguns alimentos são mais saborosos, ou mais saudáveis se servidos de uma forma e não de outra? Ou ainda: Porque alguns perfumes são melhores e mais agradáveis a uma pessoa que para outra? Porque alguns perfumes mudam seu cheiro quando passamos no nosso corpo e não mudam no corpo de outra pessoa? Etc, etc. Usamos essa “magia natural” o tempo todo sem percebermos.

Existem explicações científicas para isso? Sim, decerto! Mas a nossa ciência ensinada nas escolas está muito longe de chegar às teorias estudadas hoje nas universidades. Grande parte dos físicos que estudam as partículas que comporão os elementos quimicos chegou ao ponto de não saber mais como a materialidade é composta. De onde vem a massa dos corpos? Este seria o grande avanço alcançado pela comprovação da existência da chamada “partícula de Deus” (o Bóson de Higgs), um avanço tão grande que todo o mistério da criação seria resolvido, pois ela daria materialidade ao universo.

O que deve ser mudado no praticante, em relação às oferendas e usos de elementos materiais, é a forma de usar. Se cada qual cuidasse para que suas oferendas e obrigações não se tornassem lixo, elementos que poluem e agridem o meio ambiente, já teríamos maior facilidade de aceitação aos olhos daqueles que não coadunam de nossas crenças. Cabe ao praticante de umbanda criar uma consciência não apenas ecológica, mas religiosa também. Afinal as matas, praias e cachoeiras são nossos templos, assim como o terreiro é um templo. Se mantemos o terreiro limpo, porque não manter limpos também os templos fornecidos pela natureza? Esta é outra questão que, apesar de envolver o uso de elementos materiais, não tem relação direta com o porquê de se usar elementos materiais nos rituais.

Onde entra o sentimento religioso, a fé, a fé raciocinada, e a razão nesta história toda?

O adepto de uma religiosidade qualquer, não apenas a umbanda, adentra a uma religião por um sentimento religioso que precede à interpretação racional. Aliás, grande parte das interpretações são fundamentadas em uma crença. Um exemplo que dei a esta amiga com quem conversava foi o de Martin Lutero quando resolveu se contrapor a política religiosa de uma época e traduzir as bíblias para o alemão, para que a população tivesse acesso aos textos religiosos e assim escapasse à dominação e alienação imposta por um sistema religioso falido. Sua base foi, basicamente, um sentimento religioso, uma concepção do que seria o cristianismo e que se opunha àquelas preditas pelo Clero. Foi a partir dele que a comunhão dos cristãos passou a ser, também, um ato que envolve o perdão e fortalecimento da fé. Antes o perdão era vendido em praças públicas pelas indulgências. Com base, não só dos desvarios políticos da época, mas também em suas convicções religiosas, que não se limitavam à mera interpretação dos textos e ritos bíblicos, mas principalmente no sentimento religioso, a chamada “fé” no que sentia, conseguiu mover montanhas, promover a reforma da igreja e fundar o que hoje conhecemos por protestantismo. A razão apenas auxiliou na construção de suas teses, para que pudesse expor de forma racional aquele sentimento que movia as suas ações e sua fé nos textos sagrados.

O sentimento religioso é um afeto que moverá o que chamamos de fé, a fé raciocinada é a fé auxiliada pela razão na justificação de uma crença, mas a razão sozinha é vazia. alienada. Interpretar textos sem ser acometido pelo afeto que nos leva a crença, é como operar uma máquina, produzir um calculo sem finalidade, é alienação. A interpretação pela interpretação é fria e não justifica nenhuma crença com força, a menos que preceda à interpretação o sentimento religioso ao qual me refiro.

O Adepto de umbanda sente a função dos elementos materiais, mesmo que, muitas das vezes não possa justificar seu uso de forma racional. Ele sente, tal como Bruno sentia, a conexão íntima entre todas as coisas, que justifica o uso de cada um destes elementos. A razão, a fé raciocinada, é recente no movimento umbandista. Por ter uma origem tribal, sejam tribos africanas ou tribos indígenas, não é usual expor em teorias este sentimento, até porque não é necessário. O necessário apelo à razão não é dado aos homens de tribos e sim aos “doutos” herdeiros de toda uma tradição onde o dogma se dá por escrito, antes mesmo que o sentimento religioso seja despertado. É assim que colocamos nossas crianças em catequeses e escolinhas doutrinárias das igrejas, puro condicionamento cultural alienado. É assim que nos criamos e crescemos achando que “despacho de macumba” é coisa de ignorante, ou coisas do mau. Esquecemos e somos educados para esquecer, desde cedo essa interconexão íntima existente entre as coisas, considerando-as apenas ilusões de mentes menos “favorecidas intelectualmente”. Somos educados a agir mais que a sentir, a falar mais que a ouvir, e assim por diante!

A educação nos tempos antigos, na época dos “bons selvagens” de Rousseau, era exata a contrária. Um caçador só conseguia exercer sua função se aprendesse a sentir a mata, a ler o bater do vento nas folhas, os rastros do chão, o movimento feito nas plantas rasteiras que lhe indicariam o melhor caminho para a caça. Não havia técnica? Sim, havia. Uma técnica muito, mas muito diferente da nossa, tão diferente que chega a ser estranha e de difícil compreensão aos nossos olhos! A razão, o raciocínio envolvido na caça era guiado pelos sentimentos e pressentimentos que o movimento da mata gerava. Acho que este era o elemento fundamental que fazia Rousseau romancear os seus "bons selvagens".

A fé move montanhas, mas o sentimento religioso é quem move a fé. A fé só é cega quando se torna mera repetição, sem finalidade ou algum “pathos” (paixão) que mova nossos gestos. A fé cega é objeto de alienação e de dominação, religiosa, cultural e social. Lutero bem notou isso e lutou contra, traduzindo as Bíblias em alemão para que cada membro da sociedade pudesse ler e ser tocado pelo "pathos" ao qual me refiro. A fé raciocinada é quando não nos limitamos a repetir, mas a buscar sentido e justificação para os nossos sentimentos e crenças! Agora, só raciocinar, sem nenhum “pathos”, nenhuma fé, nenhum sentimento religioso, é agir de forma fria e dada a todos preconceitos que esta herança ocidentalista nos impõe. Até mesmo a interpretação inconteste é alienada e pode ser usada como instrumento de alienação!

O lado bom da História é saber que nem sempre foi assim. Que homens lutaram e brigaram para instituir o que Hoje nos é dado pronto como “verdade”. E melhor ainda é pensar em quantos e tantos guiados pela sua fé, acompanhada pela razão, não foram queimados e subjulgados por inquisidores, por tentarem justificar publicamente suas "verdades". E tantos outros que só puderam compor uma obra por herança. E tantos mais anônimos, esquecidos nas páginas da História, que vivenciaram sua fé e razão a contragosto dos padrões instituídos, os chamados excentricos!

E isso não apenas em religião, mas em ciência também! O Bóson de Higgs, ao qual nos referimos aqui como a “partícula de Deus” é apenas uma hipótese, algo cuja existência não foi provada e os efeitos supostamente identificados. Apesar disto, bilhões e bilhões são movidos para pesquisas acerca desta partícula.... É a fé, a mesma fé despertada por um "pathos", um sentimento ou pressentimento, movendo não apenas montanhas, mas milhões de euros. Este exemplo serve para fazer ver que a “fé” não é privilégio das religiões... que o sentimento ao qual me refiro, nada tem de místico no sentido dos livros de auto-ajuda, mas trata-se de algo real, mais comum do que pensamos.

Basta saber se, quando agimos, quando julgamos, quando justificamos algo, o fazemos por repetição de padrões preditos e fixados em nossas mentes desde a infância (alienação), ou se somos autônomos diante de nossas crenças, convicções e, conseqüentemente, ações. O adepto de umbanda que simplesmente repete, não é autônomo. Mas aquele que compreende intimamente, mesmo que por pressentimento, o sentido e a finalidade do rito, este sim é autônomo em relação à sua fé e à sua prática.

Nos dias atuais nada mais difícil que tornar a razão uníssona com os sentimentos! Às vezes pressentimos algo que contestam nossas concepções, e reagimos com preconceito e fuga. Mas mesmo fugindo e negando, continuamos incomodados e tristes, pois intimamente o sentimento lateja, não some com a fuga, mas persiste insistindo em dizer que é ali o lugar de nosso "pathos", que é ali onde nos encontraremos.

Termino essa postagem citando um trecho do Pequeno Príncipe, que apesar de conhecido como “livro de Miss” (risos!) traz algumas verdades que devem ser guardadas.

"Eis o meu segredo: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. Os homens esqueceram essa verdade, mas tu não a deves esquecer." (Antoine de Saint-Exupéry)

Mensagem de Chico Xavier

12 de jul. de 2010

Iemanjá, Odoiá!

Banho de Manjericão

Belo clipe de um samba muito bom de João Nogueira e Paulo César Pinheiro, na voz de Clara Nunes!

Espiritismo X Umbanda (parte II)

Na postagem anterior explicitei as razões pelas quais disse não crer em uma suposta “influência” do espiritismo sobre a umbanda. Deixando claro que influenciar, significa exercer uma ação sobre alguma coisa, o espiritismo tem pouca (no caso de terreiros que também façam trabalhos de mesa branca) ou nenhuma influência sobre a umbanda.


De forma doutrinária, o espiritismo não exerce e nem pode exercer influência sobre a umbanda, mas, quando muito, auxiliar a compreensão do médiun (ou cavalo, como nossas entidades costumam falar) sobre o processo envolvido nas manifestações dos terreiros, e sobre as formas como nossas entidades podem atuar sobre nós.

Algumas postagens atrás, por exemplo, tratei dos sonhos e sobre como os sonhos nos trazem, algumas vezes, mensagens de nossos guias espirituais. Naquela postagem, mencionei tanto o texto de Kardec, quando explorei o tema no sentido mais primitivo da concepção usando um documentário indígena como exemplo. Mesmo que tenhamos usado a letra de Kardec para explicar o fenômeno, isso não faz com que o fenômeno seja “uma influência” do kardecismo. O próprio espiritismo é claro quanto a sua proposta esclarecedora acerca dos fenômenos da espiritualidade: mediunidade e comunicação com espíritos, sempre existiram desde os tempos mais antigos. A diferença é a forma como se explica o fenômeno. Com o avanço do conhecimento, o estudo do livro dos médiuns, hoje, é o meio mais adequado para explicar tais fenômenos.

A verdade é que com o passar dos anos e o desenvolvimento das culturas ocidentais, o seu voltar para a tecnologia e questões materiais de sobrevivência, coisas que nas culturas mais simples eram encaradas com naturalidade se tornam, aos olhos do homem urbano, trabalhador de uma empresa, que opera cotidianamente com alta tecnologia, elementos simbólicos e mitológicos de culturas já extintas. Difícil, nos tempos atuais, é encontrar alguém que acredite na real influência dos espíritos naturalmente. A crença até existe, mas é sempre colocada como digna de desconfiança no primeiro percalço.

O homem de hoje dificilmente olha para si mesmo e para a comunidade como parte de um todo, coisa que nas culturas ditas “primitivas” era condição para aquele que desejava pertencer à comunidade. Os filhos pertencem aos pais e a sociedade, de modo geral, não se sente responsável pelas crianças nos tempos atuais. Já na sociedade tribal, os filhos pertenciam à família, mas também à comunidade e a comunidade toda era responsável pela integração daquele membro no grupo. A comunidade é como um corpo, do qual cada indivíduo é membro. A ofensa a um membro da sociedade por alguém de fora era vista como uma ofensa a todo grupo social. Hoje em dia somos os primeiros a ignorar, desprezar e ofender àqueles que estão inseridos no mesmo grupo social nosso. Vemos isso cotidianamente, nas ruas, nas escolas, nas empresas, no mesmo prédio e até mesmo no seio familiar. Mas não é objetivo, aqui, culpar a esta “falta de sensibilidade social” pela dificuldade na compreensão de fenômenos simples. Este mal de nossa sociedade é, antes, um efeito da perda de contato do homem com qualquer coisa que não lhe sejam dada aos sentidos.

O homem de hoje respira sem consciência do processo envolvido na respiração, a menos que pegue um resfriado. O homem de hoje não caminha, não suporta o vento e a chuva. Muitos julgam que as árvores fazem sujeira nas cidades e que seus frutos só servem para amassar os carros. Preferem ver a praia de longe, sem ter contato com o sal do mar, e constroem piscinas a beira mar. Gostam da mata, mas preferem-na como descanso de tela de seu computador que sujar seus sapatos com terra e sofrer mordidas de mosquitos. O homem atual, sai de sua casa, entra no seu carro e sai do carro para o prédio onde trabalha e mal consegue olhar para o céu (a menos que queira saber se vai chover). Enfim, possui hábitos completamente distintos daqueles que habitam tribos, ou, nem precisamos tanto, possuem hábitos distintos de nossos avôs e bisavós.

Obesidade, hoje, é um problema e a menos de 100 anos o número de obesos era mais de 50% menor. As pessoas, por razões óbvias, eram menos sedentárias e sabiam aproveitar mais os espaços livres e arborizados das grandes cidades. Olhar o céu era programa o dos apaixonados.

O homem deixou de fazer parte da natureza, da comunidade, de si mesmo. O valor de um homem é o que ele produz e o que consegue possuir com seu trabalho. Há um excesso de pragmatismo e materialismo no mundo atual. E é este o maior desafio enfrentado pelos poucos que ensejam um trabalho mais espiritual. Dizer quem em sonhos visitamos espíritos amigos, ou que algum espírito mal intencionado se aproximará se mantivermos maus pensamentos é a maior demonstração de ignorância e superstição. Por esta razão, grande parte daqueles que buscam e adentram os terreiros de umbanda, o procuram por necessidade. Quando as coisas já estão a tal ponto que, a última alternativa é apelar para o desconhecido “pra ver ser” dá certo.

Neste momento, geralmente confuso para a grande maioria, é que o estudo dos textos de Kardec pode auxiliar. De forma menos “mística” que as pitonisas gregas, ou tupã, ou ainda qualquer dos orixás que louvamos, Kardec mostra ao homem “de razão” como é possível que o invisível aos olhos nos influencie e, mais importante, como podemos cuidar para que essas influências sejam benéficas.

Para o praticante de umbanda, aquele que entra no terreiro com o branco para iniciar o contato com suas entidades, torna-se fundamental a leitura de tais textos. Pois desmistificam o processo vivenciado nas seções, em sonhos, e em outros momentos da vida do “médiun”. É importante para o trabalhador de umbanda de hoje compreender o que ocorre consigo mesmo, já que no cotidiano a realidade se mostrará completamente avessa ao ambiente do terreiro. O terreiro é como um mundo paralelo, onde devemos nos abrir e vivenciar o entorno como o homem antigo vivia, como o homem tribal vivia.

O homem tribal, além da relação que estabelecia com todos os membros de sua comunidade, estabelecia uma relação, também com a natureza que o cercava. Entendia as Matas como um ser vivo, capaz de enviar sinais à comunidade. Lia a mensagem que os ventos traziam pelo tato e olfato. Todos os poros do corpo do homem da tribo estavam conectados (não era preciso cabos como em AVATAR - risos) com a natureza circundante. E assim ele conseguia pressentir os perigos e saber dos benefícios que a mata trazia. É assim que o praticante de umbanda deve vivenciar seu terreiro. Com o mesmo senso de comunidade e natureza que predominavam nos tempos das organizações tribais, sendo a comunidade o corpo mediúnico e a natureza simbolizada por nossas entidades e guias espirituais. Comportamento tão avesso aos dias de hoje!

Kardec abre uma porta, mas não determina a prática. Kardec nos ensina como é possível essa realidade, mas vivenciar esta realidade como nas comunidades tribais será ensinamento de terreiro, dado por nossas entidades chefes que representam a ancestralidade daquele grupo. O espírita sabe, o umbandista sente. Porém como a nossa sensibilidade anda, nos dias atuais, “embotados de cimento e tráfego” (citando Chico Buarque) o primeiro passo do sentir, passa pelo saber. Sabendo ser possível e como é possível fica mais fácil nos abrirmos e permitirmos que nossa sensibilidade perceba estes eventos já tão estranhos à grande parte de nossa sociedade, mas comuns aos nossos antepassados.

Neste sentido, Kardec e os demais autores espiritualistas serviriam de auxiliares, textos para ajudar do médiun umbandista na aceitação e compreensão racional dos eventos vivenciados no terreiro. Assim, fica mais fácil crer em nossas intuições, em nossas incorporações, em nossos sonhos e desdobramentos noturnos... fica racionalmente mais fácil vivenciar a prática tão comum de nossas entidades, por meio das quais a umbanda é ensinada.

10 de jul. de 2010

Canto das Yabás - Novos Bahianos

Umbanda X Espiritismo (parte I)

Quando começamos a pesquisar a respeito da umbanda não é raro encontrarmos a seguinte afirmativa: a umbanda difere do candomblé por ter influências kardecistas, pois, além dos Orixás, se manifestam nesta religiosidade espíritos de mortos, denominados pretos-velhos, caboclos e exus. Uma das razões que podemos identificar para esta afirmativa está na forma como grande parte dos umbandistas propaga a história do surgimento da religião. Afinal, foi em um centro espírita que Zélio de Morais recebeu pela primeira vez o Caboclo das Sete Encruzilhadas e anunciou a fundação de uma “nova” religião.


Para conhecer mais sobre esta história acesse o link:

http://www.guia.heu.nom.br/origem_da_umbanda.htm


O fato é que muito antes deste acontecimento, diversas religiosidades mestiças já praticavam seus cultos com a manifestação de caboclos e pretos-velhos. Temos em várias regiões do Brasil, manifestações religiosas mais antigas que a umbanda, onde tais espíritos tinham seu espaço: catimbó, jurema, cabula, entre outros. Um livro interessante e que apresenta esta polêmica bem é o Umbanda de Pretos Velhos de Etienne Salles.

Mas não é o propósito desta postagem falar das polêmicas que cercam a origem da religião, mas sim, falar dos problemas enfrentados na caracterização da umbanda como possuindo influências kardecistas. Quando falo de problemas, me refiro a questões práticas dada a internalização de certos “princípios” espíritas que os adeptos da umbanda acabam fazendo por compreendê-la tendo como origem o espiritismo, ou por compreender a umbanda como “um braço” que liga o espiritismo à religiosidade afro. Onde a internalização destes princípios aparecem? Simples: se uma entidade usa certos materiais de trabalho comuns às vertentes denominadas “negras”, como o candomblé, por exemplo, é porque esta entidade é um espírito que ainda não evoluiu o suficiente para compreender que tais elementos não são necessários. É muito comum vermos afirmações como esta, denotando certa “evolução” dos espíritos atuantes na umbanda, a partir da restrição do uso de certos materiais de trabalho, como, por exemplo, a bebida e o fumo.

Verdade seja dita, se formos ouvir os grandes “médiuns” da doutrina Espírita, veremos que há uma grande resistência à umbanda. Seja pelos arquétipos representados por nossas entidades, seja pela maneira de prestarem assistência aos que a procuram, seja pelos elementos materiais utilizados. Portanto, há que se ter certas restrições ao se falar das “influências espíritas” na umbanda.

Para ilustrar o que digo, seguem dois vídeos como exemplo: O primeiro do Divaldo Franco, médiun muito respeitado no espiritismo, dispensa comentários. Pois é claro e notório onde o preconceito relativo a umbanda aparece:

O segundo vídeo, extraído do programa pinga fogo onde Chico Xavier foi entrevistado em 1979. Pinga Fogo. Sei o quanto é complicado falar da figura de Chico Xavier, ainda mais em uma postagem como esta. Mas a diferença entre Chico e Divaldo é a inteligência e a capacidade retórica apresentada no vídeo. Deve-se prestar muita atenção, pois apesar de Chico iniciar a resposta sobre umbanda afirmando o respeito que tem pela religião, podemos identificar equívocos. Neste caso o preconceito ao qual me refiro é velado, cabendo algumas explicações prévias para que possam ser identificados os problemas do discurso de Chico. O primeiro ponto que deve ser destacado é a descrição da função e do papel das entidades de umbanda, como os pretos velhos, que remetem à encarnação anterior destes espíritos. Como os Negros velhos eram escravos e serviam, eles formam um seguimento religioso onde continuam “servindo” ao atender os apelos de cura. Em seguida isso é tido como errado, pois aos olhos do espiritismo as doenças e limitações físicas são provações pelas quais temos que passar. É só conferir o vídeo:

Esta concepção de que nossas entidades estariam “presas” e “vinculadas” à suas últimas encarnações é designada como ATAVISMO. Atavismo significa, basicamente, o reaparecimento de características passadas – vem do latim Atavus que significa ancestral. Há um equívoco grande nas palavras de Chico que mostram a completa ignorância acerca da religião, fruto de alguns preconceitos enfrentados pelos umbandistas: as entidades estão presentes para nos orientar, limpar nosso campo energético quando necessário, realizar desobsessões quando preciso, mas nunca para servir a nossos caprichos! Curas e problemas de saúde podem até encontrar alguma solução, desde que seja do merecimento da pessoa. Caso o problema seja prova, dificilmente uma entidade conseguirá curar ou resolver a questão.

O que pretendo destacar aqui é que esta concepção é equivocada. Caboclos e Pretos-velhos assim se apresentam no terreiro por escolha. Seus “atavismos” se farão notar pelos trabalhos que realizam e não pela forma como se apresentam. Há quem diga que a imagem de pretos-velhos e caboclos são arquetípicos, ou seja, símbolos que representam algo presente na memória da coletividade. Preto-velho, neste caso seria o arquétipo do velho sábio, com experiência de vida, de ancestral que orienta os mais novos e guarda segredos. Àquele a quem, a contragosto dos senhores de engenho, todos os negros veneravam e aceitavam como líder, orientador e protetor da comunidade negra residente nas senzalas.

A real significação sobre as características que nossas entidades apresentam na umbanda é muito discutida e está longe de ser esgotada. Tampouco é nosso objetivo, agora, expor mais detalhadamente os debates que rondam por aí sobre isso. O que vale é destacar aqui a imagem que comumente o espiritismo guarda da nossa umbanda e de nossas entidades, de forma geral. Sei que isso vem mudando com o tempo, mas não é raro o umbandista se declarar “espírita” e acabar esbarrando nestes preconceitos. Por esta razão é, no mínimo, complicado colocar a umbanda como possuindo “influências” kardecistas, no sentido de ser uma prática religiosa derivada do espiritismo. Assim como é complicado afirmar categoricamente ser a umbanda derivada do candomblé.

Para finalizar esta postagem, coloco dois vídeos feitos pela escola de umbanda sagrada sobre o tema. Apesar de não fazer parte desta escola umbandista, acho importante destacar quando aparecem temas interessantes e esclarecedores para todos os que iniciam na religião, ou mesmo para aqueles que buscam compreender melhor a nossa religiosidade. Pessoalmente, tenho certas divergências com a Escola de Umbanda Sagrada, mas este vídeo, em particular, considero bom, esclarecedor e digno de divulgação:


PARTE I:


PARTE II:

10 de jun. de 2010

Instruções do Caboclo Mirin



É sempre interessante refletir sobre a forma como nos comportamos dentro das seções e durante os trabalhos espirituais!

9 de jun. de 2010

Um Pouco de Ervas e Folhas...

Porque sem elas pouco pode ser feito na umbanda.



Achei este video no BLOG : Umbanda Como ela é do Luiz Carlos. Um blog interessante e bom para consulta.

Ensinamentos de Pai Agenor

Passo rapidamente aqui para postar um vídeo do pai Agenor, gravado pouco antes de sua morte.

Para quem não conhece Pai Agenor de Miranda Rocha, foi um estudioso das religiões afro, em especial o candomblé do qual era seguidor. Foi iniciado ainda criança para escapar de uma doença, e cresceu na religião tornando-se um dos babalorixás mais influentes da Bahia. Frequentemente convocado para decidir os rumos de grande partes dos terreiros de candomblé, foi ele quem determinou que Mãe Menininha presidiria um dos terreiros mais famosos da Bahia.

Este vasto currículo, na verdade, trata apenas da parte material que retrata a figura e a importãncia de Pai Agenor. No vídeo que segue, gravado pouco antes de sua morte em 2008, podemos testemunhar a razão de tamanha influência exercida no meio religioso. Tratava-se de uma pessoa esclarecida, com uma consciência de religiosidade de poucos. Vale a pena assistir:



Mesmo sendo um vídeo curto, vale destacar a humildade e os valores éticos e morais tratados neste vídeo, tão necessários a todos os terreiros e centros espirituais. Valores que muitas vezes faltam na mente dos praticantes de nossa religião.

Segue, também, para informação complementar a versão disponível no Google books do Livro:

As Nações Kêtu: origens ritos e crenças - Os candomblés Antigos do Rio de Janeiro.

É sempre bom termos vídeos como este e pessoas como Pai Agenor com quem possamos aprender um pouco mais.

Para conhecer um pouco mais da história de Pai Agenor, coloco aqui um documentário, longa metragem, que conta um pouco da vida dele e sua relação com o candomblé. Interessante para entendermos um pouco mais esta religião.

UM VENTO SAGRADO

Sinopse do filme: O longa-metragem documental Um Vento Sagrado retrata a vida e obra de Agenor Miranda, famoso jogador de búzios de candomblé. Nascido em Luanda, no dia 8 de setembro de 1907, o Pai Agenor, ou seu Santinho - como é conhecido - é filho de pai diplomata e mãe cantora lírica. Por volta dos cinco anos, escapou de uma enfermidade desconhecida quando, já desenganado pelos médicos, uma vizinha, filha de santo, convenceu seus pais a levá-lo ao candomblé. A partir daí, foi iniciado pela célebre ialorixá Maria Eugênia Anna dos Santos (Mãe Aninha), fundadora de um dos mais antigos candomblés de Salvador, o Ilê Axé Opô Afonjá. Curiosidade: Um Vento Sagrado é a expressão usada por Agenor Miranda para definir os Orixás, divindades da tradição religiosa Ioruba da Nigéria, do Candomblé do Brasil e da Santeria de Cuba.

FICHA TÉCNICA
Diretor: Walter Lima
Elenco: - Documentário -
Roteiro: Carlos Vasconcelos Dominguez, Walter Lima
Fotografia: Mário Cravo Neto
Duração: 93 min.
Ano: 2001
País: Brasil
Gênero: Documentário
Cor: Colorido
Distribuidora: Não definida

LINKS PARA ASSISTIR:

Parte 1:


Parte 2



Bom Filme!

8 de jun. de 2010

As Faces de Santo Antônio.


Estamos chegando ao 13 de junho, dia de Santo Antônio, um dos Santos mais prestigiados no sincretismo umbandista.

De acordo com o que tenho aprendido, são 3 sincretismos que ligam Santo Antônio à Umbanda:

1) Na Bahia, Santo Antônio relacionado ao Orixá Ogum

2) Santo Antônio também é ligado à uma das qualidades de Xangô, Xangô Abomi.

3) Finalmente, temos fortes ligações entre Santo Antônio e os Exus, sendo muitas vezes considerado o Patrono do chamado "povo de rua".

Dedico esta postagem ao meu sincretismo pessoal, que liga Santo Antônio com um "danado" de um preto velho que me guia, me cuida, me ensina e que se tornou um grande amigo. Com ele aprendi que Santo Antônio tem ligação com a chamada "Linha das Almas" na Umbanda, linha sobre a qual, algum dia, me sentirei apta a falar.

Mas para o propósito desta postagem, basta que eu fale resumidamente (se for possível) sobre cada um dos sincretismos listados acima:

1) sincretismo com Ogum: Este sincretismo data da época da colonização. Como o Brasil foi colonizado mais ou menos na mesma época das cruzadas, grande parte dos Santos católicos que aqui chegaram eram guerreiros: São jorge, São Sebastão, entre eles estava Santo Antônio, conhecido como Santo Antônio militar. A ele foram atribuídas as vitórias dos Portugueses de Salvador contra os húngaros e franceses. Santo Antônio era o Santo padroeiro do exército da Corte de Portugal.

2) Sincretismo com Xangô: Difícil precisar a origem deste sincretismo. Se partirmos para o regionalismo, Santo Antônio é Xangô nas tradições de Pernambuco. Alguns identificam assim, também pelo fato da Imagem de Santo Antônio portar um livro, tal qual São Jerônimo.
Em alguns locais ele é sincretizado com uma qualidade específica de Xangô: Xangô Abomi, que atua no equilíbrio de raciocínio e na defesa nas horas de aflição.
Seguindo a história do Santo, podemos destacar uma lenda que nos fornece uma grande pista para desvendar o sincretismo: um dos milagres de Santo Antônio foi que ele, em meio a uma missa, entrou em transe e foi visto na mesma hora em outro local, num tribunal onde seu pai era julgado por um assassinato que não cometera. Este fenômeno atribuído á Santo Antônio chama-se bilocação. Neste julgamento, Santo Antônio conduziu o juri até o cemitério e fez o próprio morto falar, inocentando seu pai da forca. Sim, nesta "lenda" se deu origem a expressão tirar o pai da forca.
Deste milagre, podemos extrair que, de forma "sobrenatural", Santo Antônio foi capaz de livrar um inocente de uma injustiça. Tal qual Xangô o Orixá da justiça.
Mas este milagre não rendeu apenas este título à Santo Antônio, vejamos mais adiante o sincretismo com os Exus.


3) Sincretismo com os Exus ou Povo de Rua: A origem deste sincretismo é diversa. No Batuque do RS sabe-se que Santo Antônio é sincretizado com Bará, orixá análogo ao Exu iorubano.
Porém, outras origens podem ser identificadas neste caso específico. O mesmo milagre usado para identificar Santo Antônio com a justiça, tornou o Santo popular como grande feiticeiro, detendo poderes sobre a carne e sobre a morte.
Lembrando que na umbanda, são os Exus os responsáveis pelo trabalho mais pesado de defesa espiritual, na lida com os "espíritos ruins" e na resolução de questões imediatas. Existem aspectos culturais, também, que cercam a crendisse popular em Santo Antônio: Santo mensageiro, o Santo que cobra as promessas, o grande protetor contra os inimigos da alma! Todas estas características são, também, atribuídas aos Exus.
De forma vaga, podemos dizer que é esta a lenda liga Santo Antônio com a linha das almas, linha que abrange, também, os Exus, em função de seu trabalho magístico.

Bom, estão aí alguns esclarecimentos sobre o sincretismo com Santo Antônio. Para saber mais, indico dois Sites que podem ser úteis:




Notas sobre comportamentos

Uma das coisas mais questionadas na umbanda é a ausência de uma doutrina.

Mas a grande questão é: de qual doutrina falamos? Qual a doutrina de que necessitamos?

Existem várias formas de se compreender o termo doutrina: 1) um corpo teórico, onde as diretrizes gerais de uma religião estão instituídas. Exemplos claros são o catolicismo (Novo Testamento), Judaísmo (Torah), hinduísmo (Vedantas), Budismo (os Sutras), Islamismo (Alcorão).
Neste sentido as religiões afro, de origem afro, ou com inspirações afro (como creio ser o caso da umbanda) não a possuem. Devido à origem tribal, e até alguns fatores históricos determinantes, todo conhecimento de "doutrina" é passado oralmente.
Explicando a frase antecedente: 1) origem tribal - pois os antepassados africanos passavam toda a sua cultura (não apenas religiosa, mas normativa em geral) oralmente; 2) fatores históricos - até a década de 50 a prática de religiões "afro" era terminantemente proibida. Seus membros, praticantes, eram presos e toques de atabaque, nem pensar. Por essa razão. devia-se ter cuidado para quem passar os "segredos", as "mirongas" e até mesmo com quem entrava e saia dos terreiros que, em sua grande parte, funcionavam de forma clandestina. Os centros "legais" recebiam o título de "espírita" para poderem funcionar, como até hoje pode ser visto em centros mais antigos. Confiar na pessoa errada era arriscado e podia gerar o fechamento do centro. Assim, a censura externa, acabou interiorizada na prática e na transmissão das informações; 3) "doutrina", entre aspas, por ser exatamente o que estamos questionando nesta postagem. Mas entendamos aqui, provisoriamente, doutrina como o conjundo de normas praticadas pelo religioso.
Enfim, falta na umbanda um corpo doutrinário uno, como há em outras religiões.

Outro sentido para o termo "doutrina", mais comum atualmente, é o de aprendizado, crescimento ou "evolução". Este sentido tem sua origem no Espiritismo, fundamentalmente, onde a doutrina não é apenas normativa, mas moral. Ou seja, trata-se da internalização de certos comportamentos para benefício próprio do médiun, ou do seguidor do espiritismo, que visam, não apenas a sua atuação dentro do grupo religioso, mas também na sua vida cotidiana.
Com isso, todo aquele que entra em um grupo espírita, tem, como primeira fase da sua inserção na religiosidade o aprendizado teórico e ideológico da moral necessária para a prática espirita.
O mesmo ocorre com os guias espirituais: para serem considerados "guias de luz" algumas regras devem ser atendidas, segundo a letra kardequiana.
Este sentido de "doutrina", também não existe na umbanda originariamente. Como religião tribal, toda a moral é aprendida na prática, a partir dos erros cometidos pelo praticante. É normal ouvir a expressão "levar pemba" a cada vez que é aplicado um corretivo. Corretivo este que é individual e geralmente aplicado pelo prórpio corpo espiritual, sem intervenção humana.

O que podemos concluir desta primeira explanação: a umbanda tem caráter subjetivo, pois envolve mais a interpretação individual que a coletiva. Tanto em relação à compreensão de seus preceitos (doutrina no primeiro sentido), quanto em relação ao comportamento moral do praticante (doutrina no segundo sentido). É este subjetivismo que vemos frequentemente criticado nos tempos atuais.

Como uma espécie de paliativo, alguns centros de umbanda mais novos, vem adotando a forma dos espíritas e fornecendo a seus praticantes palestras e ensinamentos de cunho moral, necessários para a prática cotidiana do terreiro. Subjaz a esta medida, uma concepção "nova" da umbanda, como vertente espiritualista. Os mais conservadores, os "tribalistas", que se maravilham com este aspecto "pitoresco" dos santos que dançam e riem como os humanos, julgam tal medida como um "embranquecimento" da umbanda, de tradição afro, mas que já não é mais o candomblé, que, por sua vez, também já não é mais a prática da "mãe África".
Sim, há ironia em minhas palavras. Pois se toda defesa "tribalista" tivesse um real cunho antropológico, seria mais fácil lidar com ela. Mas em alguns terreiros, para não dizer a maioria, a antropologia passa longe! Verger é um nome conhecido apenas de documentário, que pouco tem a ver com as práticas cotidiana. "Ele era amigo de Jorge Amado, não é?" Daí pra cair no papel de mera literatura de ficção, é um pulo, um pulinho, na verdade uma topada!

E no meio desta briga toda, "a doutrina" fica praticamente esquecida. Tanto em um sentido quanto em outro. Vira, na verdade, moeda de barganha para disputas sobre "a melhor prática". Assim, os "sentidos" da doutrina acabam esquecidos, bem como são esquecidos seus objetivos, junto com os objetivos da prática espiritual....

Com ou sem doutrinas, fato é que certos comportamentos devem ser revistos dentro da prática da umbanda. A umbanda precisa perder seus traumas históricos e se permitir uma nova prática livre das censuras. Da mesma forma como um dia se fez necessário esconder os atabaques, faz-se necessário colocá-los á mostra. Não mais esconder-se no "véu da ignorância" cultural, mas resgatar o que está sob o simbólico, mas diante dos olhos da grande parte dos praticantes. Tirar do esquecimento os grandes ensinamentos. Não mantê-los no subjetivismo, mas torná-los públicos.

É necessário que o praticante de umbanda reaprenda a ouvir, e não a reagir. Ouvir àqueles que lhes guiam, suas entidades e santos. Necessário se faz aprender a sentir, mais que vigiar. Reconhecer o outro como irmão, não como oponente. O outro, digo, não os de fora da religião ou de certo grupo, mas aqueles que estão ao nosso lado. É necessário relembrar que cada um traz consigo um livro repleto de histórias e de conhecimentos que não podem e nem devem ser menosprezados. Só assim, a umbanda poderá se tornar uma só corrente, onde todos tenham seu papel.