Quando começamos a pesquisar a respeito da umbanda não é raro encontrarmos a seguinte afirmativa: a umbanda difere do candomblé por ter influências kardecistas, pois, além dos Orixás, se manifestam nesta religiosidade espíritos de mortos, denominados pretos-velhos, caboclos e exus. Uma das razões que podemos identificar para esta afirmativa está na forma como grande parte dos umbandistas propaga a história do surgimento da religião. Afinal, foi em um centro espírita que Zélio de Morais recebeu pela primeira vez o Caboclo das Sete Encruzilhadas e anunciou a fundação de uma “nova” religião.
Para conhecer mais sobre esta história acesse o link:
http://www.guia.heu.nom.br/origem_da_umbanda.htm
O fato é que muito antes deste acontecimento, diversas religiosidades mestiças já praticavam seus cultos com a manifestação de caboclos e pretos-velhos. Temos em várias regiões do Brasil, manifestações religiosas mais antigas que a umbanda, onde tais espíritos tinham seu espaço: catimbó, jurema, cabula, entre outros. Um livro interessante e que apresenta esta polêmica bem é o Umbanda de Pretos Velhos de Etienne Salles.
Mas não é o propósito desta postagem falar das polêmicas que cercam a origem da religião, mas sim, falar dos problemas enfrentados na caracterização da umbanda como possuindo influências kardecistas. Quando falo de problemas, me refiro a questões práticas dada a internalização de certos “princípios” espíritas que os adeptos da umbanda acabam fazendo por compreendê-la tendo como origem o espiritismo, ou por compreender a umbanda como “um braço” que liga o espiritismo à religiosidade afro. Onde a internalização destes princípios aparecem? Simples: se uma entidade usa certos materiais de trabalho comuns às vertentes denominadas “negras”, como o candomblé, por exemplo, é porque esta entidade é um espírito que ainda não evoluiu o suficiente para compreender que tais elementos não são necessários. É muito comum vermos afirmações como esta, denotando certa “evolução” dos espíritos atuantes na umbanda, a partir da restrição do uso de certos materiais de trabalho, como, por exemplo, a bebida e o fumo.
Verdade seja dita, se formos ouvir os grandes “médiuns” da doutrina Espírita, veremos que há uma grande resistência à umbanda. Seja pelos arquétipos representados por nossas entidades, seja pela maneira de prestarem assistência aos que a procuram, seja pelos elementos materiais utilizados. Portanto, há que se ter certas restrições ao se falar das “influências espíritas” na umbanda.
Para ilustrar o que digo, seguem dois vídeos como exemplo: O primeiro do Divaldo Franco, médiun muito respeitado no espiritismo, dispensa comentários. Pois é claro e notório onde o preconceito relativo a umbanda aparece:
O segundo vídeo, extraído do programa pinga fogo onde Chico Xavier foi entrevistado em 1979. Pinga Fogo. Sei o quanto é complicado falar da figura de Chico Xavier, ainda mais em uma postagem como esta. Mas a diferença entre Chico e Divaldo é a inteligência e a capacidade retórica apresentada no vídeo. Deve-se prestar muita atenção, pois apesar de Chico iniciar a resposta sobre umbanda afirmando o respeito que tem pela religião, podemos identificar equívocos. Neste caso o preconceito ao qual me refiro é velado, cabendo algumas explicações prévias para que possam ser identificados os problemas do discurso de Chico. O primeiro ponto que deve ser destacado é a descrição da função e do papel das entidades de umbanda, como os pretos velhos, que remetem à encarnação anterior destes espíritos. Como os Negros velhos eram escravos e serviam, eles formam um seguimento religioso onde continuam “servindo” ao atender os apelos de cura. Em seguida isso é tido como errado, pois aos olhos do espiritismo as doenças e limitações físicas são provações pelas quais temos que passar. É só conferir o vídeo:
Esta concepção de que nossas entidades estariam “presas” e “vinculadas” à suas últimas encarnações é designada como ATAVISMO. Atavismo significa, basicamente, o reaparecimento de características passadas – vem do latim Atavus que significa ancestral. Há um equívoco grande nas palavras de Chico que mostram a completa ignorância acerca da religião, fruto de alguns preconceitos enfrentados pelos umbandistas: as entidades estão presentes para nos orientar, limpar nosso campo energético quando necessário, realizar desobsessões quando preciso, mas nunca para servir a nossos caprichos! Curas e problemas de saúde podem até encontrar alguma solução, desde que seja do merecimento da pessoa. Caso o problema seja prova, dificilmente uma entidade conseguirá curar ou resolver a questão.
O que pretendo destacar aqui é que esta concepção é equivocada. Caboclos e Pretos-velhos assim se apresentam no terreiro por escolha. Seus “atavismos” se farão notar pelos trabalhos que realizam e não pela forma como se apresentam. Há quem diga que a imagem de pretos-velhos e caboclos são arquetípicos, ou seja, símbolos que representam algo presente na memória da coletividade. Preto-velho, neste caso seria o arquétipo do velho sábio, com experiência de vida, de ancestral que orienta os mais novos e guarda segredos. Àquele a quem, a contragosto dos senhores de engenho, todos os negros veneravam e aceitavam como líder, orientador e protetor da comunidade negra residente nas senzalas.
A real significação sobre as características que nossas entidades apresentam na umbanda é muito discutida e está longe de ser esgotada. Tampouco é nosso objetivo, agora, expor mais detalhadamente os debates que rondam por aí sobre isso. O que vale é destacar aqui a imagem que comumente o espiritismo guarda da nossa umbanda e de nossas entidades, de forma geral. Sei que isso vem mudando com o tempo, mas não é raro o umbandista se declarar “espírita” e acabar esbarrando nestes preconceitos. Por esta razão é, no mínimo, complicado colocar a umbanda como possuindo “influências” kardecistas, no sentido de ser uma prática religiosa derivada do espiritismo. Assim como é complicado afirmar categoricamente ser a umbanda derivada do candomblé.
Para finalizar esta postagem, coloco dois vídeos feitos pela escola de umbanda sagrada sobre o tema. Apesar de não fazer parte desta escola umbandista, acho importante destacar quando aparecem temas interessantes e esclarecedores para todos os que iniciam na religião, ou mesmo para aqueles que buscam compreender melhor a nossa religiosidade. Pessoalmente, tenho certas divergências com a Escola de Umbanda Sagrada, mas este vídeo, em particular, considero bom, esclarecedor e digno de divulgação:
PARTE I:
PARTE II:
Nenhum comentário:
Postar um comentário