Uma das coisas mais questionadas na umbanda é a ausência de uma doutrina.
Mas a grande questão é: de qual doutrina falamos? Qual a doutrina de que necessitamos?
Existem várias formas de se compreender o termo doutrina: 1) um corpo teórico, onde as diretrizes gerais de uma religião estão instituídas. Exemplos claros são o catolicismo (Novo Testamento), Judaísmo (Torah), hinduísmo (Vedantas), Budismo (os Sutras), Islamismo (Alcorão).
Neste sentido as religiões afro, de origem afro, ou com inspirações afro (como creio ser o caso da umbanda) não a possuem. Devido à origem tribal, e até alguns fatores históricos determinantes, todo conhecimento de "doutrina" é passado oralmente.
Explicando a frase antecedente: 1) origem tribal - pois os antepassados africanos passavam toda a sua cultura (não apenas religiosa, mas normativa em geral) oralmente; 2) fatores históricos - até a década de 50 a prática de religiões "afro" era terminantemente proibida. Seus membros, praticantes, eram presos e toques de atabaque, nem pensar. Por essa razão. devia-se ter cuidado para quem passar os "segredos", as "mirongas" e até mesmo com quem entrava e saia dos terreiros que, em sua grande parte, funcionavam de forma clandestina. Os centros "legais" recebiam o título de "espírita" para poderem funcionar, como até hoje pode ser visto em centros mais antigos. Confiar na pessoa errada era arriscado e podia gerar o fechamento do centro. Assim, a censura externa, acabou interiorizada na prática e na transmissão das informações; 3) "doutrina", entre aspas, por ser exatamente o que estamos questionando nesta postagem. Mas entendamos aqui, provisoriamente, doutrina como o conjundo de normas praticadas pelo religioso.
Enfim, falta na umbanda um corpo doutrinário uno, como há em outras religiões.
Outro sentido para o termo "doutrina", mais comum atualmente, é o de aprendizado, crescimento ou "evolução". Este sentido tem sua origem no Espiritismo, fundamentalmente, onde a doutrina não é apenas normativa, mas moral. Ou seja, trata-se da internalização de certos comportamentos para benefício próprio do médiun, ou do seguidor do espiritismo, que visam, não apenas a sua atuação dentro do grupo religioso, mas também na sua vida cotidiana.
Com isso, todo aquele que entra em um grupo espírita, tem, como primeira fase da sua inserção na religiosidade o aprendizado teórico e ideológico da moral necessária para a prática espirita.
O mesmo ocorre com os guias espirituais: para serem considerados "guias de luz" algumas regras devem ser atendidas, segundo a letra kardequiana.
Este sentido de "doutrina", também não existe na umbanda originariamente. Como religião tribal, toda a moral é aprendida na prática, a partir dos erros cometidos pelo praticante. É normal ouvir a expressão "levar pemba" a cada vez que é aplicado um corretivo. Corretivo este que é individual e geralmente aplicado pelo prórpio corpo espiritual, sem intervenção humana.
O que podemos concluir desta primeira explanação: a umbanda tem caráter subjetivo, pois envolve mais a interpretação individual que a coletiva. Tanto em relação à compreensão de seus preceitos (doutrina no primeiro sentido), quanto em relação ao comportamento moral do praticante (doutrina no segundo sentido). É este subjetivismo que vemos frequentemente criticado nos tempos atuais.
Como uma espécie de paliativo, alguns centros de umbanda mais novos, vem adotando a forma dos espíritas e fornecendo a seus praticantes palestras e ensinamentos de cunho moral, necessários para a prática cotidiana do terreiro. Subjaz a esta medida, uma concepção "nova" da umbanda, como vertente espiritualista. Os mais conservadores, os "tribalistas", que se maravilham com este aspecto "pitoresco" dos santos que dançam e riem como os humanos, julgam tal medida como um "embranquecimento" da umbanda, de tradição afro, mas que já não é mais o candomblé, que, por sua vez, também já não é mais a prática da "mãe África".
Sim, há ironia em minhas palavras. Pois se toda defesa "tribalista" tivesse um real cunho antropológico, seria mais fácil lidar com ela. Mas em alguns terreiros, para não dizer a maioria, a antropologia passa longe! Verger é um nome conhecido apenas de documentário, que pouco tem a ver com as práticas cotidiana. "Ele era amigo de Jorge Amado, não é?" Daí pra cair no papel de mera literatura de ficção, é um pulo, um pulinho, na verdade uma topada!
E no meio desta briga toda, "a doutrina" fica praticamente esquecida. Tanto em um sentido quanto em outro. Vira, na verdade, moeda de barganha para disputas sobre "a melhor prática". Assim, os "sentidos" da doutrina acabam esquecidos, bem como são esquecidos seus objetivos, junto com os objetivos da prática espiritual....
Com ou sem doutrinas, fato é que certos comportamentos devem ser revistos dentro da prática da umbanda. A umbanda precisa perder seus traumas históricos e se permitir uma nova prática livre das censuras. Da mesma forma como um dia se fez necessário esconder os atabaques, faz-se necessário colocá-los á mostra. Não mais esconder-se no "véu da ignorância" cultural, mas resgatar o que está sob o simbólico, mas diante dos olhos da grande parte dos praticantes. Tirar do esquecimento os grandes ensinamentos. Não mantê-los no subjetivismo, mas torná-los públicos.
É necessário que o praticante de umbanda reaprenda a ouvir, e não a reagir. Ouvir àqueles que lhes guiam, suas entidades e santos. Necessário se faz aprender a sentir, mais que vigiar. Reconhecer o outro como irmão, não como oponente. O outro, digo, não os de fora da religião ou de certo grupo, mas aqueles que estão ao nosso lado. É necessário relembrar que cada um traz consigo um livro repleto de histórias e de conhecimentos que não podem e nem devem ser menosprezados. Só assim, a umbanda poderá se tornar uma só corrente, onde todos tenham seu papel.
Mas a grande questão é: de qual doutrina falamos? Qual a doutrina de que necessitamos?
Existem várias formas de se compreender o termo doutrina: 1) um corpo teórico, onde as diretrizes gerais de uma religião estão instituídas. Exemplos claros são o catolicismo (Novo Testamento), Judaísmo (Torah), hinduísmo (Vedantas), Budismo (os Sutras), Islamismo (Alcorão).
Neste sentido as religiões afro, de origem afro, ou com inspirações afro (como creio ser o caso da umbanda) não a possuem. Devido à origem tribal, e até alguns fatores históricos determinantes, todo conhecimento de "doutrina" é passado oralmente.
Explicando a frase antecedente: 1) origem tribal - pois os antepassados africanos passavam toda a sua cultura (não apenas religiosa, mas normativa em geral) oralmente; 2) fatores históricos - até a década de 50 a prática de religiões "afro" era terminantemente proibida. Seus membros, praticantes, eram presos e toques de atabaque, nem pensar. Por essa razão. devia-se ter cuidado para quem passar os "segredos", as "mirongas" e até mesmo com quem entrava e saia dos terreiros que, em sua grande parte, funcionavam de forma clandestina. Os centros "legais" recebiam o título de "espírita" para poderem funcionar, como até hoje pode ser visto em centros mais antigos. Confiar na pessoa errada era arriscado e podia gerar o fechamento do centro. Assim, a censura externa, acabou interiorizada na prática e na transmissão das informações; 3) "doutrina", entre aspas, por ser exatamente o que estamos questionando nesta postagem. Mas entendamos aqui, provisoriamente, doutrina como o conjundo de normas praticadas pelo religioso.
Enfim, falta na umbanda um corpo doutrinário uno, como há em outras religiões.
Outro sentido para o termo "doutrina", mais comum atualmente, é o de aprendizado, crescimento ou "evolução". Este sentido tem sua origem no Espiritismo, fundamentalmente, onde a doutrina não é apenas normativa, mas moral. Ou seja, trata-se da internalização de certos comportamentos para benefício próprio do médiun, ou do seguidor do espiritismo, que visam, não apenas a sua atuação dentro do grupo religioso, mas também na sua vida cotidiana.
Com isso, todo aquele que entra em um grupo espírita, tem, como primeira fase da sua inserção na religiosidade o aprendizado teórico e ideológico da moral necessária para a prática espirita.
O mesmo ocorre com os guias espirituais: para serem considerados "guias de luz" algumas regras devem ser atendidas, segundo a letra kardequiana.
Este sentido de "doutrina", também não existe na umbanda originariamente. Como religião tribal, toda a moral é aprendida na prática, a partir dos erros cometidos pelo praticante. É normal ouvir a expressão "levar pemba" a cada vez que é aplicado um corretivo. Corretivo este que é individual e geralmente aplicado pelo prórpio corpo espiritual, sem intervenção humana.
O que podemos concluir desta primeira explanação: a umbanda tem caráter subjetivo, pois envolve mais a interpretação individual que a coletiva. Tanto em relação à compreensão de seus preceitos (doutrina no primeiro sentido), quanto em relação ao comportamento moral do praticante (doutrina no segundo sentido). É este subjetivismo que vemos frequentemente criticado nos tempos atuais.
Como uma espécie de paliativo, alguns centros de umbanda mais novos, vem adotando a forma dos espíritas e fornecendo a seus praticantes palestras e ensinamentos de cunho moral, necessários para a prática cotidiana do terreiro. Subjaz a esta medida, uma concepção "nova" da umbanda, como vertente espiritualista. Os mais conservadores, os "tribalistas", que se maravilham com este aspecto "pitoresco" dos santos que dançam e riem como os humanos, julgam tal medida como um "embranquecimento" da umbanda, de tradição afro, mas que já não é mais o candomblé, que, por sua vez, também já não é mais a prática da "mãe África".
Sim, há ironia em minhas palavras. Pois se toda defesa "tribalista" tivesse um real cunho antropológico, seria mais fácil lidar com ela. Mas em alguns terreiros, para não dizer a maioria, a antropologia passa longe! Verger é um nome conhecido apenas de documentário, que pouco tem a ver com as práticas cotidiana. "Ele era amigo de Jorge Amado, não é?" Daí pra cair no papel de mera literatura de ficção, é um pulo, um pulinho, na verdade uma topada!
E no meio desta briga toda, "a doutrina" fica praticamente esquecida. Tanto em um sentido quanto em outro. Vira, na verdade, moeda de barganha para disputas sobre "a melhor prática". Assim, os "sentidos" da doutrina acabam esquecidos, bem como são esquecidos seus objetivos, junto com os objetivos da prática espiritual....
Com ou sem doutrinas, fato é que certos comportamentos devem ser revistos dentro da prática da umbanda. A umbanda precisa perder seus traumas históricos e se permitir uma nova prática livre das censuras. Da mesma forma como um dia se fez necessário esconder os atabaques, faz-se necessário colocá-los á mostra. Não mais esconder-se no "véu da ignorância" cultural, mas resgatar o que está sob o simbólico, mas diante dos olhos da grande parte dos praticantes. Tirar do esquecimento os grandes ensinamentos. Não mantê-los no subjetivismo, mas torná-los públicos.
É necessário que o praticante de umbanda reaprenda a ouvir, e não a reagir. Ouvir àqueles que lhes guiam, suas entidades e santos. Necessário se faz aprender a sentir, mais que vigiar. Reconhecer o outro como irmão, não como oponente. O outro, digo, não os de fora da religião ou de certo grupo, mas aqueles que estão ao nosso lado. É necessário relembrar que cada um traz consigo um livro repleto de histórias e de conhecimentos que não podem e nem devem ser menosprezados. Só assim, a umbanda poderá se tornar uma só corrente, onde todos tenham seu papel.
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