21 de ago. de 2016

Como ler um livro?

Esse post é uma crítica à forma como buscamos os livros. Qualquer livro...mas principalmente àqueles que abordam temas religiosos de umbanda e/ou espiritismo.

É comum nos dias de hoje que qualquer iniciante na religião de umbanda busque na internet, em blogs ou em livros respostas para dúvidas que muitas das vezes o dirigente por si só não sabe responder. Mas o que buscamos nos livros? Verdades? Por que vemos nos livros um local privilegiado onde uma "verdade" é revelada para nós? De onde vem isso? Essa relação com a palavra escrita, como se a escrita fosse uma autoridade?

De outro modo, porque grande parte das pessoas vêem como se a falta de um léxico, um corpo teórico escrito, enfraquecesse a religiosidade? Mas já falei um pouco disso aqui.

Um neófito de umbanda, perdido, fatalmente buscará em fontes escritas (virtuais ou em livros) meios de se orientar. E muitas vezes ao encontrar algo que se afine com aquilo que ele "pressente", mas não sabe ao certo se é fato ou não, logo toma como verdade. Outros tomam como verdades teorias rebuscadas, que se coadunem com sua cultura. Ainda há aqueles que levarão em conta a "autoridade" da fala: um texto espírita secular, textos escritos e endossados por vários sacerdotes e dirigentes, ou ainda a autoridade de uma mística reconhecidamente milenar, como se grandes segredos estivessem sendo ali revelados. Assim nascem os diversos tipos de leituras sobre a umbanda: os que tem por base a doutrina espírita, os que tem por base as instituições umbandistas, os que tem por base uma "mística" que tem sua origem em qualquer lugar, menos nos Orixás e Caboclos e Pretos Velhos, que são apenas desdobramentos brasileiros de forças universais. Não que eu descreia das místicas, acho mesmo que em muitos pontos elas se tocam (como boa leitora de Mircea Eliade e Joseph Campbell, rs). Mas elas se tocam, não necessariamente se misturam formando um amálgama de culturas babilônicas, egípcias, pagãs, europeias e brasileiras. Explicando matematicamente: vários conjuntos podem tem um ou dois elementos comuns, mas isso não os tornam conjuntos iguais.

Nessa busca, muitas vezes o neófito acaba encontrando suas "verdades" em textos cuja concepção de umbanda diferem muito daquela do terreiro onde se encontra e, mais cedo ou mais tarde, essa diferença resultará na necessidade de uma escolha: "ou o terreiro que estou está certo e o livro errado (e com isso minhas dúvidas retornam) ou o livro está certo e o terreiro que estou está errado." Porém, não precisa ser assim. Isso acaba ocorrendo devido a relação que estabelecemos com o texto escrito. 

Nossa cultura está pautada na sacralização do texto escrito.

Vou explicar: desde cedo aprendemos que nos livros encontramos o que é certo. Na escola a professora ensina a buscar a resposta certa no livro, ou seja o livro traz uma verdade que nos fará tirar uma nota boa na prova (como professora, tenho restrições a essa metodologia, mas ela é comum em grande parte das instituições de ensino). Se a família é católica, aprende-se que na Bíblia está a verdade revelada por Deus aos apóstolos. Se queremos saber o que ocorre no mundo, procuramos os jornais que nos "revelarão" os principais acontecimentos. Em resumo, somos educados a procurar "a verdade" nos mais diferentes tipos de textos escritos.

Essa forma de educação obscurece em grande parte uma outra função do texto escrito: o de simplesmente tornar público um pensamento. Assim acontece com os livros de poesias, literatura, e pesquisas acadêmicas em geral (muito embora alguns vejam os textos acadêmicos com a mesma sacralidade apontada anteriormente). Esquecemos muitas vezes que uma mesma notícia, por exemplo, será publicada com diferentes interpretações, dependendo do jornal que buscamos. O mesmo acontece com os livros de história, porque um fato histórico pode ser contado de diferentes maneiras. A dificuldade aparece na hora que lidamos com textos de cunho religioso: espíritas e umbandistas. Porque compreendemos sempre, devido a nossa cultura, que livros religiosos nos trazem "verdades". Assim o neófito ao buscar o texto de umbanda, verá nele o lugar de uma verdade sacralizada e aí vem a confusão. Livros de umbanda, assim como os demais textos, são escritos sob perspectivas. O que vale para um autor, não vale para outro. Alguns descrevem a concepção de umbanda predominante no ritual de umbanda de sua casa, outros pretendem universalizar e fornecer um corpo doutrinário que seja comum a várias casas. São inúmeras as intensões das publicações que podemos encontrar sobre a umbanda, uma delas também abordamos aqui. E é justamente a multiplicidade das intensões, bem como a multiplicidade das práticas umbandistas, que devemos considerar sempre ao ler um texto sobre umbanda. Ideal é ter em mente que ele nos traz UMA verdade, e não A verdade. Essa verdade pode se adequar mais ou menos com a forma da casa que frequentamos, ou com a forma como sentimos a religião por meio dos ensinamentos dos guias espirituais. Devemos sempre lembrar, também, que parte dos ensinamentos de umbanda ocorrem oralmente e, por isso, nenhum livro ou texto dará conta de forma completa do que é a umbanda.

Um filme que didaticamente mostra com humor o valor que a nossa cultura dá ao texto escrito, bem como pontua as diferentes perspectivas da narração de uma história e a dificuldade do historiador ao escolher uma delas, é Narradores de Javé, filme brasileiro de 2003, dirigido por Eliane Caffé. Termino essa postagem com link para o filme:









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