26 de jun. de 2014

A história de Juca Rosa - O feiticeiro Negro do fim do Imperio

Cheguei ao nome de Juca Rosa ao assistir por curiosidade um dos vídeos da FTU (faculdade de teologia umbandista) com Rivas Neto descrevendo as Origens da umbanda. Sei que há controvérsias enormes sobre a existência de uma faculdade de teologia umbandista as quais não pretendo dissertar, mas o objetivo com o qual assisti o vídeo era o de ter uma visão de como as pessoas envolvidas com isso traçavam a "origem" da nossa religião. Eu esperava, com sinceridade, em ver mais uma descrição sobre o Zélio de Moraes, o Caboclo das 7 encruzilhadas, Pai Antônio, e me surpreendi em ver o Rivas colocando a "origem" de forma bem diversa daquela que normalmente os umbandistas (pelo menos os daqui do RJ) costumam colocar em consenso. Neste vídeo, cujo link perdi, Rivas menciona dois nomes como ícones da origem da umbanda, junto com Zélio: um deles é João de Camargo, paulista, cuja história foi retratada no filme brasileiro de nome Cafundó (eu adoro esse filme, por sinal); outro foi Juca Rosa, feiticeiro negro condenado por estelionato ainda na época do império aqui no RJ. Como eu nunca tinha lido, não que me lembrasse, o nome de Juca Rosa, fui em busca de dados, relatos ou algo que me informasse sobre esse cidadão.

De cara, e para minha surpresa, encontrei um artigo de uma historiadora da UNICAMP, Gabriela Sampaio, que nada mais é o resumo de sua tese de doutorado. Segue abaixo o link para o artigo:


Logo em seguida consegui a tese completa: 



A tese de doutorado, que inicialmente li por estar curiosa a respeito da história de Juca Rosa, me trouxe um pouco mais que isso. Do meio para o final, as conclusões da autora sobre os lucros que a investigação dessa história traz para a história de costumes me surpreenderam. Transcrevo aqui uma parte:


Podemos pensar que um dos elementos presentes na mente dos políticos e membros das classes dominantes durante todo o processo que culminou com a aprovação da lei [do ventre livre] foi o medo: medo que as elites tinham do perigo representado pelo negro, devido às pressões dos escravos e libertos, mas também devido a força com que as práticas culturais negras estavam presentes e difundidas na sociedade. Por mais que os grupos poderosos brancos tentassem negar, ou controlar tais práticas, é possível notar que os limites não eram claros entre o que eram práticas dos populares, dos negros, e o que eram práticas das elites, já que havia um movimento de interpretação, de mútuas influências entre brancos e negros, entre elites e subordinados. (p.184)

Isso nos lança uma luz sobre a caracterização da umbanda e demais práticas ditas "negras" como pertencente apenas às classes menos favorecidas. Pelo relato presente na tese, notamos que mesmo esta afirmação é preconceituosa e isenta de verdade, uma vez que as classes dominantes também frequentavam tais cultos, e buscavam nele soluções para seus problemas. Uma das razões pelas quais o julgamento do Juca Rosa foi polêmico, mesmo na época, é por trazer à luz nomes de autoridades, políticos e gente de posses que, direta ou indiretamente, estavam ligadas a estes cultos. Por que este dado é interessante? Porque até pouco tempo atrás, até os anos 80 todas os trabalhos que retratam a umbanda, ou religiões de descendência africana, retratam os cultos como pertencente às classes mais baixas e frequentados por pessoas das classes mais baixas. A grande novidade que a história de Juca Rosa traz, na abordagem da autora, é o fato de que esses cultos eram frequentados por pessoas de posses, que também doavam valores ao culto, muito embora nos depoimentos essas pessoas tentassem negar seu envolvimento. O que concluir disso: que muito embora a posse do conhecimento religioso estivesse nas mãos de negros e seus descendentes, estes conhecimentos não eram usados apenas por pessoas pouco letradas, os brancos e ricos também usavam deste conhecimento quando lhes era conveniente. Se nos anos que se seguiram retomassem as leis contra feitiçaria e se perseguisse novamente essas religiões a ponto delas ficarem restritas a pequenos grupo escondidos, isso se deve ao fato de que até mesmo as classes "esclarecidas" da sociedade brasileira estava se envolvendo em tais ritos e, essa prática, esse envolvimento, sim, deveria ser coibido!

Outro ponto que a autora destaca e com o qual eu concordo é a forma como a busca de origens e purezas nos rituais acaba empobrecendo uma análise cultural, e até mesmo a compreensão dessas religiões de matriz afro:

E ao falar de candomblé, é preciso entendê-lo em seu processo de constituição e afirmação, o que nos leva à busca que ocorreu entre diversos líderes religiosos e praticantes da religião dos Orixás no início do século XX, por raízes na África, para legitimar suas práticas, como se buscassem manuais e regras para garantir uma pureza e continuidade com relação a cultura Iorubá, ou Nagô. Já a umbanda que se oficializou na década de 1920, buscou se afastar de práticas africanas, e se aproximar de práticas católicas e kardecistas, como que buscando uma justificativa para sua existência. Todavia, essas construções foram feitas posteriormente, inventando origens e tradições que as legitimassem, tentando ignorar a trajetória, as transformações que as tradições religiosas sofreram com o tempo.

Concordo plenamente com esse incômodo que a autora destaca, e é esse incômodo o que no fundo me move a pesquisar. Sempre encontramos a umbanda relacionada ao kardecismo, ao catolicismo, mas nunca a vemos retratada em sua especificidade, como uma unidade em si, resultante de um processo, sim, mas algo único. Mesmo que seja possível retratar e identificar as mais diferentes influências, a umbanda é, em si, algo único que não se confunde nem com kardecismo, nem com o catolicismo e tampouco com o candomblé. A autora vê que esta falta de caracterização prórpia da umbanda e das demais práticas aqui no Brasil reside no que pode ser um erro dos pesquisadores: a forma como cada um vê a cultura, negra, branca, indígena, como uma célula, um bloco completamente separado um do outro e que em algum momento se toquem e misturem, aculturando uns, colonizando outros:

O que soa mais artificial em diferentes debates sobre o tema é, em primeiro lugar, a noção de cultura como sistemas fechados e imóveis, e , em segundo lugar, a ideia de estas culturas estarem em choque de repente, e se interpenetrarem, como se já não tivessem diversos pontos em comum, ou contatos anteriores à situação de escravidão no Brasil. Se as culturas são pensadas como conjuntos fechados, ando se pensa na relação entre culturas fica fácil pensar em ideias como justaposição, ou amalgama, ou mesmo aculturação, no sentido de dominação de uma pela outra. Daí para a busca de uma cultura de origem, pura, de um marco inicial, é um passo. Parte-se então à procura de uma origem mítica, que dificilmente pode ser fixada; da mesma forma não pode fazer sentido pensar em cultura como um pacote fechado, homogêneo, uma jaula onde elementos isolados se relacionam entre si e não se transformam com o tempo. (p.235)

A autora destaca ainda que culturas são dinâmicas e que o sincretismo faz mais sentido se pensado em termos de como a cultura muda, como passa a ser outra coisa. 

Essas últimas colocações me lembram desde Mircea Eliade, que destaca o fato de todas as religiões serem sincréticas, incluindo àquelas que hoje não vemos como sincréticas, até o segundo Wittgenstein e seus jogos de linguagem que inspirou o relativismo de Lévi-Strauss. Talvez se unirmos as duas teorias poderemos traçar não apenas os pontos que ligam a umbanda à outras religiões, como buscar uma unidade que particularize a umbanda em sua especificidade, e que faz com que ela não se misture com as demais religiões. Certamente eu terei que retornar a leitura desses autores que menciono aqui, mas vale a hipótese que tornou essa leitura bastante construtiva!

Ainda mais interessante é a forma dela tratar essa busca de uma origem como "mítica". O que ela pode querer dizer com origem mítica? Seria algo ilusório? Algo que não existe na realidade, mas se cogita para auxiliar a compreensão das religiões e suas práticas? Um marco necessário para conceder uma unidade à algo plural? Enfim, vale refletir a respeito!

Espero que apreciem a leitura dos textos aqui linkados e, caso eu encontre o vídeo que deu origem a essa minha pesquisa, postarei aqui. Até breve!

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