21 de fev. de 2016

Simbolismos do lado esquerdo - Parte I

A razão pela qual essa postagem tem uma "Parte I" no título reside no fato de não pretender esgotar o tema nessa postagem. Aqui apresentarei apenas uma problematização da divisão "direita" e "esquerda", sob um viés antropológico, problematizando essa divisão e a forma como ela atua no imaginário de quem vê a umbanda de fora. Não se trata de apresentar uma visão de "doutrina", mas apenas de entender como um simbolismo que não pertence apenas à umbanda, mas está presente nela e em várias culturas (alguns diriam até que está presente em um inconsciente coletivo) resulta em interpretações que, hoje o umbandista, com alguma dificuldade, se esforça em desconstruir. Também gostaria de deixar claro que o objetivo dessa postagem é o de questionar as relações que estabelecemos com a "esquerda" sob o ponto de vista de uma antropologia. Ou seja, trata-se menos de delinear as características doutrinárias reservadas a essa linha, e mais de observar que quando falamos "esquerdo" aparecem muitas relações simbólicas que não são vistas inicialmente e que refletem também na forma como concebemos a linha da esquerda, seja conscientemente ou inconscientemente.

É comum a todos os umbandistas a existência das linhas de direita e da linha de esquerda. E em conjunto com o trabalho dessas linhas vem uma série de preceitos relacionados que inclui o uso das mãos direita e esquerda, em certas ocasiões, dependendo de qual das linhas se trabalha - uso da mão direita ao lidar com as linhas da direita, uso da mão esquerda ao lidar com a linha de esquerda. E com o tempo observei que algo parecido e ligado aos lados direito e esquerdo de nosso corpo se repetem durante os trabalhos das entidades, mesmo as das linhas de direita, quando pretendem em algum momento "evocar" as forças da esquerda. Isso me fez refletir: 1) sobre os usos que nós mesmos fazemos sobre essa divisão "direita" e "esquerda"; 2) como "esquerda" e "direita" são compreendidos e empregados no senso comum e que, fatalmente, resultará em; 3) a forma como as linhas de "esquerda" parecem se opor antagonicamente as linhas de "direita".

É claro que, como boa nerd que sou, não fiz essa reflexão, nem tampouco escrevo essa postagem, sem antes ter procurado alguns textos que pudessem me ajudar a organizar o que eu já vinha refletindo a respeito. E foi pesquisando que encontrei o artigo A preeminência da mão direita: um estudo sobre a polaridade religiosa, do antropólogo Robert Hertz. A partir desse artigo, pude organizar melhor uma ideia que estava surgindo na minha mente de forma intuitiva, apenas.

O fato é que durante muito tempo tudo o que era relacionado ao esquerdo era escondido, ou impedido de atuar pelo simples fato de relacionarem este lado à coisas ruins, ocultas, obscuras, profanas, ou seja, a tudo o que é oposto ao bem. Eu não sabia muito bem como colocar isso como ponto de partida: inquisição? Onde canhotos eram considerados bruxos? Na índia? Onde tradicionalmente a limpeza higiênica de detritos humanos é realizada sempre com a mão esquerda (e por isso come-se apenas com a mão direita). Pelo sufismo islâmico dos dervixes que dançam com a mão direita estendida ao céu para colher as bênçãos divinas e a mão esquerda reta, voltada para a terra? Pelas falas cristãs:  Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita;Para que a tua esmola seja dada em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, ele mesmo te recompensará publicamente.Mateus 6:3,4 Ou ainda a oração do Credo, que afirma a posição de Jesus à direita de Deus... Enfim, são tantas as culturas que distinguem os lados "direito" e "esquerdo", culturas seculares e milenares, que fica mesmo complicado tentar traçar um momento, ou um local onde isso possa ter surgido. 

As relações entre "direito" e "bom" X "esquerdo" e "profano", "mau", estão tão arraigados em nossas mentes que podemos facilmente perceber, junto com Hertz, que até mesmo na nossa linguagem usamos frequentemente os termos "direito" e "esquerdo" para designar o "certo e o "errado". A palavra sinistro em nossa língua possui essa raiz de significação. Segundo o dicionário AULETE, sinistro significa:
a.
1. Que provoca temor, que pressagia uma desgraça (ambiente sinistro, ameaça sinistra, silêncio sinistro); ASSUSTADOR
2. Que usa a mão esquerda; CANHOTO [ Antôn.: destro ]
3. Que indica perversidade; que causa mal (projetos sinistros).
4. Que inspira receio (olhar sinistro); ASSUSTADOR
sm.
5. Desastre, acidente: No sinistro morreram cinco pessoas.
6. Grande prejuízo material: A inundação não causou vítimas, mas o sinistro foi considerável.
7. Dano em qualquer bem segurado (pagamento do sinistro).
[F.: Do lat. sinistrum, de sinister, -tra, -trum 'esquerdo, canhoto'.]

Se formos mais longe, podemos até notar que o termo em inglês "Bright" (brilhante, luminoso) carrega um "right" (direito, certo) em sua composição.

Do mesmo modo, quando se fala em "linha de esquerda" na umbanda, os exus e pombo giras, muita gente pensa na associação com o diabo. Se for evangélico, então, nem se fala. Mas será que apenas eles pensam dessa forma? Será que não há algo na própria forma como essa linha é concebida que faz com que essa seja uma associação válida?

Mesmo que nos dias atuais exista um esforço em eliminar essa associação (Exu=Diabo, portanto àquele que pratica o mal) será que não existe algo na forma como compreendemos essas entidades que torna mais difícil a dissociação? Pensemos...

Arquetipicamente essas entidades são espíritos que representam representam a nossa ligação com a terra, consequentemente, trazem em seus gestuais elementos que nos tornam mais próximos a eles. A dubiedade de exu, a sensualidade das pombo-giras. Eles estão constantemente lidando, nos atendimentos, com as questões mais materiais - trabalho, amor, etc... São eles que vem ao socorro quando se lida com uma energia mais densa, pesada, a chamada demanda ou quebra de magia. Isso porque possuem contato mais direto com o oculto (que sempre foi relacionado ao lado esquerdo).

Hertz, no artigo cujo link coloquei acima, observa que uma das consequências da distinção "direito" X "esquerdo", que culminam nos papéis que as mãos esquerda e direita possuem na sociedade, é que ao lado esquerdo ficou, quando muito, reservada a função de auxiliar o lado direito, tido como o certo. O lado esquerdo, devido às construções de significados presentes desde sempre em diversas culturas, não possuía o "direito" de se desenvolver plenamente. Isso, Hertz afirma literalmente sobre o uso das mãos e da tentativa sistemática que existiu durante anos a fio de tornar crianças canhotas em destras. Mas será que, de certa forma, isso não pode ser notado também em relação à construção da umbanda?

Os primeiros terreiros de umbanda (aqueles que seguiam a linha de Zélio de Morais) não trabalhavam com a chamada "linha de esquerda". Aos poucos essas linhas foram aparecendo como linha "auxiliar", para firmar a defesa de uma casa (a tronqueira) e em alguns centros se fazia sessões com eles apenas para médiuns. Seja como for, a linha de esquerda não aparece como o pilar da umbanda. Quando se fala em umbanda, sempre se pensa que umbanda é feita principalmente com criança, caboclo e preto-velho. Ou seja, as linhas chamadas de "direita". Grande parte dos terreiros possuem nomes ou de santos católicos, ou de caboclos e pretos-velhos. Não é habitual vermos um centro de umbanda tendo um exu, ou pombo-gira, como guia chefe, e se vemos um, logo desconfiamos da índole da casa. Será que é mesmo umbanda, ou é mais um tentando usar impropriamente o nome da religião? No entanto, nos dias atuais, são raros os terreiros que não trabalhem com exus. Qual o papel deles, então? Não seria o de auxiliar os trabalhos realizados pelas linhas de direita?

Em resumo, inconscientemente, endossamos o papel auxiliar mencionado por Hertz no artigo, quando relegamos aos exus os trabalhos de limpeza pesada, bem como os trabalhos de magia que lidam com o que há de mais oculto, para auxiliar o bom andamento dos trabalhos da direita. Com isso, também endossamos a ideia de que os exus são as entidades mais "sinistras" da umbanda, por que apenas eles podem lidar com o oculto (mesmo que eles usem isso para a prática do bem). A sensualidade da pombo-giras, o jeito mais solto do exu, também fazem com que essa linha torne presente à mente do consulente coisas que ele talvez viesse esconder de um preto-velho por moralismo, ou por saber ser incorreto. São várias as situações em que, mesmo que tentemos desmistificar a figura de exu, desvencilhando ela da prática da "baixa magia" ou de uma associação com o "diabo", "o mal", nós mesmos pensamos neles como representando, ou indicando, a presença (mesmo que seja para combatê-la) de coisas que não são desejáveis dentro do serviço do bem.

Há também as situações onde, nas giras de direita, em casos de emergência, essa força da "esquerda" é chamada a servir. Assim como existem entidades de direita que trazem em si a possibilidade de trabalhar, também, nas linhas de esquerdas. Os chamados "quimbandeiros". E é justamente em relação ao trabalho dessas entidades "quimbandeiras" que o simbolismo dos "lados direito e esquerdo do corpo" se farão presentes em certos momentos. Seja na hora de preparar suas firmezas, seja na hora de aplicar um passe. Algum tempo atrás, ouvi de um dirigente de terreiro, que a presença de entidades da linha de direita "quimbandeiras" se justifica pelo fato de a umbanda na sua origem não trabalhar com as linhas de esquerda. E como em tudo é necessário um equilíbrio, a própria "linha de direita" encontrou um meio de trazer as forças da "esquerda" para dentro do terreiro.

Enfim, o assunto está longe de se esgotar e por isso pretendo, em algum momento, fazer a Parte II dessa postagem que versará justamente sobre a ideia de polaridade e complementariedade de forças.

Mas para quem deseja ler um pouco mais sobre o assunto, outro texto que também indico sobre o tema é O PODER DO ESQUERDO, publicado no blog "Estudos Bantos".




15 de fev. de 2016

Há 7 anos atrás...

Há 7 anos eu iniciava esse blog com a seguinte fala:

Resgatar memórias e reconstruir fragmentos é fundamental para a continuidade... Uma pessoa que se perde no tempo dificilmente saberá para onde anda. É necessário caminhar, mas caminhar conscientes de que ao mesmo tempo que não somos mais os mesmos, somos a soma de tudo o que se foi.

Curiosamente hoje, eu vinha refletindo sobre todos esses anos de umbanda, sobre como a minha visão mudou e, em uma viagem de ônibus foi como se eu refizesse vários caminhos na mente como em um filme. Cheguei em casa pensando em escrever sobre essas reflexões que reconstruiu bem mais que esses 7 anos de blog. São cacos de memórias que hoje fazem sentido e explicam o que sinto nesse momento. Qual não foi o meu espanto ao abrir o blog e reler a primeira "fala" que aqui escrevi! Talvez hoje essa frase tenha um sentido mais pessoal que na época em que a escrevi (ou não). O fato é que essa "fala" resume a reflexão feita hoje, 7 anos depois, a qual pretendo expor aqui.

Nunca foi intenção minha trazer aqui reflexões experiências pessoais nas vivências de terreiro, se o fiz nesses 7 anos, sempre procurei na maior parte das vezes embasa-los com pesquisas complementares, coisa de "ranço" acadêmico que trago na minha história de vida. Sempre fui pesquisadora, mesmo antes da universidade. A universidade só piorou (ou não) o que já existia de inato no meu modo de ver as coisas. Mas hoje, em especial, sinto necessidade de fazer um relato de cunho mais pessoal, sem bases teóricas (não prometo que a postagem será toda assim, mas não é esse o objetivo principal hoje).

Quando iniciei esse blog eu tinha 2 anos de desenvolvimento mediúnico consciente. Digo consciente, porque a minha primeira experiência em um desenvolvimento foi 9 anos antes, aos 19 anos, na casa de umbanda que minha mãe frequentava na assistência desde a minha infância. O fato é que eu tinha crescido indo naquele terreiro toda semana e fiquei sem graça de dizer "não" quando falaram na minha entrada para o corpo mediúnico e eu ganhei de presente a roupa, e tudo o mais que era necessário para o meu ingresso. Fiquei um ano no desenvolvimento e me afastei. Me afastei porque depois de um tempo no desenvolvimento (sem nunca ter incorporado nenhuma entidade por medo) me colocaram para no trabalho de cura. Perguntei "por quê", e apenas me disseram que era ali o meu lugar. Nos trabalhos de cura não tinha incorporação, então eu estava razoavelmente tranquila, muito embora o que eu queria mesmo era ser cambona na sessão de consulta de preto-velho. Mas, disseram que a cura era o meu lugar. Chegando no trabalho de cura, me explicaram quais gestos eu deveria fazer, mas também não me explicaram porque. Disseram apenas para que eu confiasse, pois teria algum guia espiritual ao meu lado atuando através de mim. Assim fui até notar que sempre estava presente uma senhora com a foto da filha. Um dia, descobri que a filha dessa senhora estava com câncer terminal no hospital, razão pela qual não poderia ela mesma ir ao centro para as sessões. Aquela foi a minha última sessão de cura. Não dava para continuar. Aquela senhora estava depositando toda a confiança dela no trabalho dos médiuns daquela sessão e eu, com 19 anos, não tinha a mínima ideia do porquê e o quê exatamente eu fazia lá. Assim eu me afastei do centro antes de completar 20 anos.

Anos depois ao decidir retomar um desenvolvimento, não cabe aqui expor a razão,  o fiz de forma bem mais consciente e não o fiz sem antes pesquisar bastante a respeito para driblar meus medos. Li sobre processo de incorporação, mediunidade, tipos de mediunidade, etc. E já era bem mais fácil achar material sobre o assunto, pois a internet já estava popularizada. Comecei em um centro em Vila Isabel (e era lá onde eu estava quando comecei esse blog), que descobri depois ser o terceiro centro mais antigo do RJ. Lá encontrei muitas coisas boas, e outras também muito ruins. Das coisas boas lembro do caboclo que me batizou, da minha madrinha, do meu batismo, do "encontro" com o preto velho que trabalha comigo e que me levou até lá, de como aquela decisão era importante e finalmente fazia sentido pra mim. Uma das coisas boas que lembro era de um médium bem antigo de lá, Sr. João, que mesmo quando eu não precisava sempre vinha conversar comigo. Lembro de uma vez que voltando da PUC, onde eu tinha terminado o mestrado e estava voltando de uma palestra, encontrei com ele no ônibus da forma mais estapafúrdia que se possa imaginar. Em viagens de ônibus eu sempre me desligo, então não vi que ele tinha sentado do meu lado. Na verdade ele também não me chamou. O que eu sei é que eu estava distraída, sentada na janela com fones de ouvido e um rock no máximo, quando comecei a sentir alguns arrepios. Lembro de ter pensado: "tô doida de vez! Sentindo vibrações no ônibus!" Foi quando eu me ajeitei no banco tentando me desvencilhar da sensação é que o vi do meu lado. E na mesma hora começamos a conversar naturalmente, como se o encontro ocasional no ônibus tivesse sido programado. Tanto o encontro, quanto a conversa, foi algo muito estranho e até hoje me assusta um pouco lembrar disso! Eu tinha uns dois meses na casa quando esse encontro aconteceu. O Fato é que depois desse encontro, todas as vezes o S. João, ou o guia dele vinha me auxiliar e me aconselhar. Destaco o fato que de todos os médiuns da casa ele era o único que trabalhava diretamente com um "mestre do oriente", que mesmo sem que eu pedisse, sempre vinha me ajudar e me dar conselhos. Uma das coisas que o guia dele todas as vezes destacava, com certa insistência, era que eu deveria trabalhar não só na umbanda, mas também em um lugar que fizessem trabalhos de cura espiritual.  

Essa insistência me incomodava bastante por algumas razões: a primeira era o meu ceticismo inato que não me permitia acreditar em todas as coisas que o mestre me dizia. Algumas delas eu considerava mesmo exageradas e inverossímeis. A segunda era o fato dos trabalhos de cura, com mestres, etc., estarem quase todos ligados ao espiritismo. Eu tinha graves problemas com os espíritas. Muito embora eu tivesse buscado no Livro dos Médiuns de Kardec explicações para o que eu vivia, eu detestava espíritas, pois todos os espíritas kardecistas mais fervorosos que conheci na vida eram pessoas muito, mas muito ruins e hipócritas. Para mim, na época, o espiritismo era o local onde a "contradição performativa" acontecia de forma mais veemente e, por isso, queria distância dele. O terceiro motivo é que a minha experiência de anos antes era muito viva para que eu pensasse no assunto "cura". Apesar disso, guardo imenso carinho pelo S. João e pelo Mestre dele, pois eu sempre soube, no fundo, que essas três coisas eram problemas meus que eu teria que driblar. Sinto carinho e guardo como uma recordação boa, pois eles (S. João e o Mestre) eram dos poucos que me aceitavam ali dentro, que tentavam me orientar com zelo e que cuidavam de mim. Alguns anos depois soube que a filha dele fizera parte do mesmo centro e que apresentava uma mediunidade bem parecida com a minha. Soube, também, que ela havia sido rejeitada e destratada pelos demais da casa da mesma forma como acontecera comigo lá. Sabendo disso, entendi a razão da preocupação intensa do S. João comigo desde a minha entrada na casa. 

Comecei esse blog quando eu tinha 2 anos na religião. Muito embora seja pouco, minhas experiências foram bem marcantes e me amadureceram rapidamente. Claro que a "veia" de pesquisa me ajudou muito, mas muito do exposto aqui foi orientado por questões que eu tinha na época. Depois do começo desse blog já saí de 2 terreiros e estou no terceiro. Nas duas primeiras casas vivi situações que me marcaram muito, no sentido negativo. Entrei para o terreiro onde estou há quatro anos pela simples necessidade de estar integrada a uma corrente, não por convicção. Era melhor estar em algum lugar que em nenhum, mesmo que a minha vontade fosse, novamente, de sumir da umbanda. Mas eu já tinha vivido o suficiente para saber que a fuga não era o ideal, então encarei um novo desafio, uma nova casa, já quase na certeza de que se eu abrisse a boca para falar sobre minhas vivências eu sofreria, novamente, tudo o que já havia sofrido anteriormente. Então entrei muda, estranha, alheia e compenetrada apenas em mim mesma, fingindo que eu era "tábula rasa". Não foi fácil, tanto que depois de 6 meses me afastei e fiquei fora por 3 meses. Ninguém perguntou as razões do meu afastamento, nem me procurou ou veio falar comigo. Eu também não estranhei, porque eu não falava com ninguém, além de uma amiga (desde o primeiro terreiro e que também estava lá) que na época também estava afastada por causa da gravidez. Simplesmente fui retirada dos grupos de contato e me dei conta já um mês depois disso ter ocorrido. Não estranhei e nem fiquei triste, era melhor o silêncio que as experiências anteriores. Sei que meses depois desse silêncio, fui novamente "despertada" por uma outra amiga, de outra casa em uma conversa. Resolvi que era hora de voltar as atividades do centro. Escrevi ao dirigente solicitando meu retorno as atividades. Ele pediu que eu passasse por algumas correntes na assistência e por uma sessão de mesa. E eu acho que foi nesse momento que uma "nova história começou a ser escrita".

Eu lembro da primeira vez que fui na sessão de mesa, antes de retornar aos trabalhos no terreiro. Foi estranho, mas ao mesmo tempo ótimo. Mesmo com todas as minhas reticências às sessões de mesa que remetessem ao espiritismo, saí com uma sensação de bem estar tão grande que senti, intimamente vontade de participar das sessões, mas como médium. Quando retornei e soube que uma vez a cada mês os médiuns deveriam participar das sessões de mesa, fiquei feliz, muito embora com receios. Tudo por causa de uma parte da sessão, após o estudo, onde alguns médiuns iam para a mesa de psicografia. Mas fui um dia lá para saber como era, esperando que eu não fosse para a mesa de psicografia. Ledo engano. Fui para a mesa, recebi uma mensagem, com nomes de pessoas e situações e senti medo de expor. Vai que era verdade? No final da sessão as pessoas liam as mensagens recebidas e eu não li. Conversei com o médium que dirigia a sessão, hoje meu padrinho na casa, para tirar algumas dúvidas, pois eu mesma não tinha certeza do que ocorrera ali. Um mês depois retornei e, dessa vez, encorajada pelo meu padrinho li a mensagem que recebi. Eu, desconfiada, enquanto lia prestei bem a atenção nas expressões que meu padrinho fazia e notei que era uma expressão diferente da que ele fazia na leitura de outras mensagem. Naquele dia mesmo, não sei porque, me senti à vontade para conversar com meu atual padrinho sobre a mediunidade, sendo que eu mal o conhecia na época. Depois eu fiquei dias preocupada, me questionando se deveria tê-lo feito, mas hoje não me arrependo.

Não tardou para que um compromisso mensal, se tornasse uma rotina semanal. Em parte por incentivo de meu padrinho, em outra parte por ter visto ali a chance de "doutrinar" algo que já tinha me criado muitos problemas. Era bom poder falar e trocar experiências sem ser julgada, ter alguém que ouvisse e procurasse, na medida do possível, ajudar e isso foi fundamental para mudar toda uma trajetória. As sessões de terreiro ainda eram o local onde eu me escondia por medo, mas nas sessões de mesa eu podia ser o que eu era sem medo, ou quase sem medo. Lá eu estava segura, enquanto em outros espaços da casa eu ainda não tinha plena segurança.

Eu era um bicho do mato quando cheguei lá, com medo até da sombra. E me espanta hoje ver como eu mudei nos dois anos que frequentei semanalmente aquela sessão. Ali aprendi a doutrinar a minha mediunidade. Fui tratada nas sessões de cura, recuperei meu equilíbrio e cicatrizei muitas feridas. Aprendi cromoterapia e descobri que trabalhar na cura era algo muito bom. Descobri que tenho realmente afinidade com esse trabalho, muito embora eu ainda seja estabanada em muita coisa, e que não era "viagem" daqueles que me alertaram sobre isso anteriormente, como eu pensava antes. A única coisa que lamento hoje foi ter perdido as chances de trabalhar com o mestre nas macas, se eu pudesse voltar no tempo, teria feito diferente. Lá encontrei amigos, deste lado e do outro. E encontrei os meus padrinhos, uma relação que foi construída por dois anos e, por isso, fiquei muito feliz de formalizar isso, esse ano, para todo o terreiro. Perdi um pouco da reserva em relação ao espiritismo, pois vi que espiritismo e umbanda podem caminhar juntos no mesmo espaço, que são complementares e, arriscaria dizer, até mesmo necessário que seja assim. E lamento que eu tenha visto tantos médiuns da mesma casa que eu, e de outras casas, que não consigam ver isso. Enfim, foram essas sessões que permitiram que eu, hoje, reconstruísse uma parte de uma história que até então eu não entendia.

E porque essa postagem hoje, porque hoje, diferente dos anos anteriores essa rotina de trabalho foi quebrada. Na verdade já estava quebrada, mas é sempre ao retomar uma rotina e hábitos que percebemos com mais força a falta. Em função de várias mudanças na casa, as sessões de cura acabaram e a sessão de mesa passou a ser uma vez no mês e não mais às segundas-feiras. Hoje é segunda-feira e senti falta da minha antiga rotina e foi isso que me fez refletir. E essa reflexão vai em duas direções: uma a tristeza de ter essa rotina modificada tão repentinamente; outra pela alegria de poder ter vivido esses dois anos ali. Por mais que a rotina não seja mais a mesma, que exista materialmente uma "falta", eu não sinto dessa forma. Hoje foi como reviver, tornar presente novamente os dois anos dessa rotina, analisar, rever, recompreender. E juntar peças que eram anteriores a essas sessões, mas que se não fossem elas eu não conseguiria juntar. Esses dois anos são eternos, porque sempre estarão presentes no que sou hoje. E por um bom tempo eu ainda retornarei as sessões de mesa nas segundas-feiras, mesmo que não seja mais materialmente assim. E por isso ao pensar em quanto eu mudei desde o começo desse blog, me espantei ao reler a fala com a qual comecei ele, porque hoje é desses dias de "soma de tudo o que foi". E hoje sei que "não me perdi no tempo" e sei com um pouco mais de certeza "para onde devo andar".

São coisas assim que fazem com que alguns momentos sejam eternos em si mesmos. 

Finalizo o post com uma música aparentemente boba do Tomaz Lima, que faz parte de um dos meus cacos não expostos aqui (senão ia virar memorial e não postagem de blog), mas que hoje também fazem mais sentido, a música e o caco (rs).