Já tem algum tempo que sinto vontade de escrever sobre pequenos detalhes que favorecem uma comparação entre as tradições africanas e a nossa umbanda. Algumas vezes fui dissuadida por pessoas cujo conhecimento das tradições africanas é maior que o meu, me recolhi. Mas depois vi a minha antiga hipótese, cujo desenvolvimento fora desestimulado, publicada em um livro acadêmico sobre candomblé. Minha conclusão foi que minha hipótese não era tão absurda, muito embora não parecesse claro para um praticante do candomblé. Outra pessoa pensou o mesmo que eu e, talvez por estar em outro meio, conseguiu desenvolver e publicar.
O fato é que tanto a umbanda quanto o candomblé tem elementos sincréticos e talvez seja melhor aceitar isso ao invés de disputar eternamente. Isso só faz cegar nossos olhos quando o ideal é abrí-los para as coisas simples e sutis que nos unem.
E o que nos une é essa memória ancestral que muitas vezes se faz presentes em pequenos momentos: detalhes rituais, termos usados, até mesmo nos pontos cantados trazidos pelas entidades, a que pouca atenção damos.
Algumas semanas atrás, a respeito de uma árvore, eu observei uma colega falar: "boa pra se colocar um exu, aqui." Essa mesma árvore na ocasião me fez pensar em Tempo, que fora tema de uma postagem no início desse ano aqui no Blog. Fiquei me perguntando a razão pela qual na umbanda relaciona-se mais facilmente árvore, terra, à exu, e não a outros guias da linha da direita. Essa não me parece ser uma relação tão evidente assim, até porque em outros terreiros já vi árvores consagradas a um preto velho, por exemplo.
Por outro lado, a relação entre a árvore e Exu também não é arbitrária, ou algo que caracterize um ponto real de divergência entre as leituras que a umbanda e o candomblé fazem em relação a uma árvore. Ou uma divergência real entre o que eu vi e o que a minha amiga viu quando olhamos para aquela árvore. Buscar a fonte, a origem dessas relações, sem cometermos o erro de acusar um ou outro de falsidade em relação ao que é fundamento de umbanda é onde reside o grande ponto de dificuldade nos diálogos entre adeptos da religião.
Na umbanda, em especial, a relação das árvores com exu se torna clara se analisarmos vários pontos de exu que fazem menção à ela:
"Eu vi homem sentado, embaixo da Amendoeira
Era osso, só, era Exu Caveira"
"Debaixo de uma figueira botaram feitiço pra me derrubar,
Mas no dia da festa eu vou lá..."
"Quando exu passou na encruzilhada à meia noite,
Exu plantou a raiz
É com Ave Maria, é com Ave Maria, é com Ave Maria, Exu das Almas, É com Ave Maria"
"Ventou bem forte, a mangueira nem tremeu (2x)
Quando ouviu a gargalhada todo mundo estremeceu (2x)
Exu criado no meio da bruxaria
É melhor tomar cuidado, sabe tudo de magia"
Entre outros que não me lembro agora. Um praticante de umbanda ao tentar dar uma resposta para essa relação, fatalmente começará com os pontos de Exu. Mas ainda haverá aqueles que dirão: não, mas se trata de pontos da Pombogira da Figueira, Exu Mangueira, etc... Mas há também pontos de exu que se referem à árvores, sem que estes exus carreguem árvores nos seus nomes. Mais uma razão para manter a questão em aberto: por que a presença das árvores? E por que geralmente eles trazem os fundamentos de magia desses exus?
Minha hipótese (lembrando que chama-se hipótese, toda teoria que não foi ainda verificada) é que podemos encontrar essa resposta nas lendas de Tempo. Não à toa o título dessa postagem é "tempo e memória ancestral".
Tempo, o Orixá da árvore, tem lá suas magias e oscila no tempo. Durante o dia tempo reside na árvore em certos horários (que às vezes só podem ser vistos no jogo de búzio), pois seu elemento principal é o ar... Mas é na noite que o grande mistério da árvore surge. À noite a árvore é residência das Iamys, as feiticeiras ancestrais. Reza a lenda que não se deve tocar a árvore de tempo, ou até mesmo passar sob sua copa durante a noite e madrugada, pois nesse horário toda sorte de magia se realiza por lá.
Para quem não sabe, as Iamys são as mães ancestrais, as bruxas, o lado "negativo" de algumas Iabás (Oxum, Nanã, e Iansã). Representa o lado obscuro dessas Iabás. São as senhoras do pássaro, que aqui no Brasil é a coruja - será por isso que alguns relacionam pombogira com corujas?
As folhas dessa árvore se colhidas à noite são consagradas à exu. Porque quando se fala de Tempo, até mesmo seu trato na árvore tem tempo certo pra acontecer.
Assim, relacionar árvore à Exu é algo já "previsto" na mitologia de Tempo, e nada de distinto, ou longínquo daquilo que aparece nos nossos terreiros de umbanda.
Não sei se a relação que faço é certa ou errada, mas parece fazer muito sentido! E como da última vez que pensei em uma relação do tipo, temi escrever a respeito e anos depois encontrei minha hipótese esquecida em artigo em livro especializado, aqui vai minha humilde contribuição para pensar a memória da umbanda, como memória ancestral trazida por nossos antepassados negros que são pretos velhos e exus que baixam em nossos terreiros.
Eu penso e acredito que há muito de negro nos terreiros de umbanda, mas que a maioria pensa não ser negra por estar na umbanda.
Suspeito mesmo que até nas umbandas mais "brancas" reside algo negro que não se resume aos cânticos para os orixás. Algo que remete à algo mais profundo que a mera menção ao orixá. Creio que reside uma reminiscência Banta referente à prática ritual, à forma de compreender cosmologicamente o terreiro, o espaço sagrado, os momentos de culto, etc. Mas isso já é tema para outra postagem...
Na umbanda, em especial, a relação das árvores com exu se torna clara se analisarmos vários pontos de exu que fazem menção à ela:
"Eu vi homem sentado, embaixo da Amendoeira
Era osso, só, era Exu Caveira"
"Debaixo de uma figueira botaram feitiço pra me derrubar,
Mas no dia da festa eu vou lá..."
"Quando exu passou na encruzilhada à meia noite,
Exu plantou a raiz
É com Ave Maria, é com Ave Maria, é com Ave Maria, Exu das Almas, É com Ave Maria"
"Ventou bem forte, a mangueira nem tremeu (2x)
Quando ouviu a gargalhada todo mundo estremeceu (2x)
Exu criado no meio da bruxaria
É melhor tomar cuidado, sabe tudo de magia"
Entre outros que não me lembro agora. Um praticante de umbanda ao tentar dar uma resposta para essa relação, fatalmente começará com os pontos de Exu. Mas ainda haverá aqueles que dirão: não, mas se trata de pontos da Pombogira da Figueira, Exu Mangueira, etc... Mas há também pontos de exu que se referem à árvores, sem que estes exus carreguem árvores nos seus nomes. Mais uma razão para manter a questão em aberto: por que a presença das árvores? E por que geralmente eles trazem os fundamentos de magia desses exus?
Minha hipótese (lembrando que chama-se hipótese, toda teoria que não foi ainda verificada) é que podemos encontrar essa resposta nas lendas de Tempo. Não à toa o título dessa postagem é "tempo e memória ancestral".
Tempo, o Orixá da árvore, tem lá suas magias e oscila no tempo. Durante o dia tempo reside na árvore em certos horários (que às vezes só podem ser vistos no jogo de búzio), pois seu elemento principal é o ar... Mas é na noite que o grande mistério da árvore surge. À noite a árvore é residência das Iamys, as feiticeiras ancestrais. Reza a lenda que não se deve tocar a árvore de tempo, ou até mesmo passar sob sua copa durante a noite e madrugada, pois nesse horário toda sorte de magia se realiza por lá.
Para quem não sabe, as Iamys são as mães ancestrais, as bruxas, o lado "negativo" de algumas Iabás (Oxum, Nanã, e Iansã). Representa o lado obscuro dessas Iabás. São as senhoras do pássaro, que aqui no Brasil é a coruja - será por isso que alguns relacionam pombogira com corujas?
As folhas dessa árvore se colhidas à noite são consagradas à exu. Porque quando se fala de Tempo, até mesmo seu trato na árvore tem tempo certo pra acontecer.
Assim, relacionar árvore à Exu é algo já "previsto" na mitologia de Tempo, e nada de distinto, ou longínquo daquilo que aparece nos nossos terreiros de umbanda.
Não sei se a relação que faço é certa ou errada, mas parece fazer muito sentido! E como da última vez que pensei em uma relação do tipo, temi escrever a respeito e anos depois encontrei minha hipótese esquecida em artigo em livro especializado, aqui vai minha humilde contribuição para pensar a memória da umbanda, como memória ancestral trazida por nossos antepassados negros que são pretos velhos e exus que baixam em nossos terreiros.
Eu penso e acredito que há muito de negro nos terreiros de umbanda, mas que a maioria pensa não ser negra por estar na umbanda.
Suspeito mesmo que até nas umbandas mais "brancas" reside algo negro que não se resume aos cânticos para os orixás. Algo que remete à algo mais profundo que a mera menção ao orixá. Creio que reside uma reminiscência Banta referente à prática ritual, à forma de compreender cosmologicamente o terreiro, o espaço sagrado, os momentos de culto, etc. Mas isso já é tema para outra postagem...