A idéia inicial dessa postagem tem uma história peculiar. No terreiro de umbanda omolocô, ouvi de uma entidade "criança" que esta não poderia ser denominada Erê, mas sim Ibeijada. Fiquei bastante curiosa do porque da distinção e, até mesmo, certa irritação da criança em ser referida como Erê. A explicação veio da seguinte forma: Erê é do orixá e encantado como o Orixá, Ibeijada é falange de espíritos que já viveram na terra e, espiritualmente, continuam sua missão como crianças.
Tirando o caráter de certo modo espírita para a explicação sobre a distinção, fiquei curiosa sobre o tema e resolvi dar uma pesquisada para saber se já haviam escrito a respeito disso.
Claro que a diferença existe e aparece em uma busca rasteira pelo Google. Erê é um estado de transe que ocorre no candomblé, principalmente no período de iniciação, onde o iniciado entra em contato com as energias mais puras do seu axé. Por isso o simbolismo com as crianças, por representarem a pureza e a sinceridade. Sinceridade esta, que nem sempre aparece em sua forma positiva: os Erês podem ser bem rebeldes, como as crianças são. Desafiadores, alguns necessitam ser "ensinados", ou, como ouvi recentemente, "domesticados". A parte que se refere a "encantados" pude entender pelo pouco que vi explicado no livro AWÔ, da Babalorixá Gisèle Cossard. Em alguns rituais, o iniciado em estado de Erê é capaz de "proezas" pouco imagináveis, como, por exemplo, passar uma noite na Mata e retornar pela manhã de posse de uma cobra. Essa forma de ritual, explica a Babalorixá, foi abandonada devido ao crescimento dos centros urbanos.
Essa forma de compreender os Erês é bem diversa daquela da umbanda, onde o "Erê" significa tão somente "Ibeijada", crianças vindas na falange de São Cosme e São Damião (que por serem gêmeos e trabalharem com crianças durante suas vidas foram sincretizados com os Deuses Gêmeos da Nigéria - Os Ibeji). Se hoje existe nos terreiros de umbanda as falanges das crianças, como conhecemos, se fazemos suas festas com doces idênticos aos distribuídos nos dias de São Cosme e São Damião, isso se deve muito mais ao sincretismo e o simbolismo que as crianças possuem no imaginário popular (ditado: quem agrada uma criança, agrada à Deus) que por uma herança propriamente africana, que represente os Ibejís africanos de forma adequada.
Claro que esta pesquisa está longe de ter um resultado definitivo, o que exponho aqui é apenas uma concepção preliminar, pois falta-me ainda estudos a respeito dos Ibejis como Orixás. Aliás, coisa que não é apenas uma particularidade minha, mas geral. Há uma escassez de trabalhos que abordem os Ibejis, Erês e seus sincretismos, como tema antropológico, ou mesmo histórico. Em minhas pesquisas achei Uma dissertação de mestrado da UFBA, que tem um capítulo sobre as ambiguidades dessa relação.
E me despeço saudando São Cosme e São Damião, toda a Ibeijada, os Erês, as Crianças e principalmente à criança que inspirou essa postagem. No final das contas o que importa é a alegria e doçura que essa falange é capaz de trazer aos seus fiéis.
Salve a Ibeijada!