Velho Baú Velho
Abrindo o baú para resgatar caminhos esquecidos.
23 de out. de 2019
25 de out. de 2017
Tempo e memória ancestral na umbanda
Já tem algum tempo que sinto vontade de escrever sobre pequenos detalhes que favorecem uma comparação entre as tradições africanas e a nossa umbanda. Algumas vezes fui dissuadida por pessoas cujo conhecimento das tradições africanas é maior que o meu, me recolhi. Mas depois vi a minha antiga hipótese, cujo desenvolvimento fora desestimulado, publicada em um livro acadêmico sobre candomblé. Minha conclusão foi que minha hipótese não era tão absurda, muito embora não parecesse claro para um praticante do candomblé. Outra pessoa pensou o mesmo que eu e, talvez por estar em outro meio, conseguiu desenvolver e publicar.
O fato é que tanto a umbanda quanto o candomblé tem elementos sincréticos e talvez seja melhor aceitar isso ao invés de disputar eternamente. Isso só faz cegar nossos olhos quando o ideal é abrí-los para as coisas simples e sutis que nos unem.
E o que nos une é essa memória ancestral que muitas vezes se faz presentes em pequenos momentos: detalhes rituais, termos usados, até mesmo nos pontos cantados trazidos pelas entidades, a que pouca atenção damos.
Algumas semanas atrás, a respeito de uma árvore, eu observei uma colega falar: "boa pra se colocar um exu, aqui." Essa mesma árvore na ocasião me fez pensar em Tempo, que fora tema de uma postagem no início desse ano aqui no Blog. Fiquei me perguntando a razão pela qual na umbanda relaciona-se mais facilmente árvore, terra, à exu, e não a outros guias da linha da direita. Essa não me parece ser uma relação tão evidente assim, até porque em outros terreiros já vi árvores consagradas a um preto velho, por exemplo.
Por outro lado, a relação entre a árvore e Exu também não é arbitrária, ou algo que caracterize um ponto real de divergência entre as leituras que a umbanda e o candomblé fazem em relação a uma árvore. Ou uma divergência real entre o que eu vi e o que a minha amiga viu quando olhamos para aquela árvore. Buscar a fonte, a origem dessas relações, sem cometermos o erro de acusar um ou outro de falsidade em relação ao que é fundamento de umbanda é onde reside o grande ponto de dificuldade nos diálogos entre adeptos da religião.
Na umbanda, em especial, a relação das árvores com exu se torna clara se analisarmos vários pontos de exu que fazem menção à ela:
"Eu vi homem sentado, embaixo da Amendoeira
Era osso, só, era Exu Caveira"
"Debaixo de uma figueira botaram feitiço pra me derrubar,
Mas no dia da festa eu vou lá..."
"Quando exu passou na encruzilhada à meia noite,
Exu plantou a raiz
É com Ave Maria, é com Ave Maria, é com Ave Maria, Exu das Almas, É com Ave Maria"
"Ventou bem forte, a mangueira nem tremeu (2x)
Quando ouviu a gargalhada todo mundo estremeceu (2x)
Exu criado no meio da bruxaria
É melhor tomar cuidado, sabe tudo de magia"
Entre outros que não me lembro agora. Um praticante de umbanda ao tentar dar uma resposta para essa relação, fatalmente começará com os pontos de Exu. Mas ainda haverá aqueles que dirão: não, mas se trata de pontos da Pombogira da Figueira, Exu Mangueira, etc... Mas há também pontos de exu que se referem à árvores, sem que estes exus carreguem árvores nos seus nomes. Mais uma razão para manter a questão em aberto: por que a presença das árvores? E por que geralmente eles trazem os fundamentos de magia desses exus?
Minha hipótese (lembrando que chama-se hipótese, toda teoria que não foi ainda verificada) é que podemos encontrar essa resposta nas lendas de Tempo. Não à toa o título dessa postagem é "tempo e memória ancestral".
Tempo, o Orixá da árvore, tem lá suas magias e oscila no tempo. Durante o dia tempo reside na árvore em certos horários (que às vezes só podem ser vistos no jogo de búzio), pois seu elemento principal é o ar... Mas é na noite que o grande mistério da árvore surge. À noite a árvore é residência das Iamys, as feiticeiras ancestrais. Reza a lenda que não se deve tocar a árvore de tempo, ou até mesmo passar sob sua copa durante a noite e madrugada, pois nesse horário toda sorte de magia se realiza por lá.
Para quem não sabe, as Iamys são as mães ancestrais, as bruxas, o lado "negativo" de algumas Iabás (Oxum, Nanã, e Iansã). Representa o lado obscuro dessas Iabás. São as senhoras do pássaro, que aqui no Brasil é a coruja - será por isso que alguns relacionam pombogira com corujas?
As folhas dessa árvore se colhidas à noite são consagradas à exu. Porque quando se fala de Tempo, até mesmo seu trato na árvore tem tempo certo pra acontecer.
Assim, relacionar árvore à Exu é algo já "previsto" na mitologia de Tempo, e nada de distinto, ou longínquo daquilo que aparece nos nossos terreiros de umbanda.
Não sei se a relação que faço é certa ou errada, mas parece fazer muito sentido! E como da última vez que pensei em uma relação do tipo, temi escrever a respeito e anos depois encontrei minha hipótese esquecida em artigo em livro especializado, aqui vai minha humilde contribuição para pensar a memória da umbanda, como memória ancestral trazida por nossos antepassados negros que são pretos velhos e exus que baixam em nossos terreiros.
Eu penso e acredito que há muito de negro nos terreiros de umbanda, mas que a maioria pensa não ser negra por estar na umbanda.
Suspeito mesmo que até nas umbandas mais "brancas" reside algo negro que não se resume aos cânticos para os orixás. Algo que remete à algo mais profundo que a mera menção ao orixá. Creio que reside uma reminiscência Banta referente à prática ritual, à forma de compreender cosmologicamente o terreiro, o espaço sagrado, os momentos de culto, etc. Mas isso já é tema para outra postagem...
Na umbanda, em especial, a relação das árvores com exu se torna clara se analisarmos vários pontos de exu que fazem menção à ela:
"Eu vi homem sentado, embaixo da Amendoeira
Era osso, só, era Exu Caveira"
"Debaixo de uma figueira botaram feitiço pra me derrubar,
Mas no dia da festa eu vou lá..."
"Quando exu passou na encruzilhada à meia noite,
Exu plantou a raiz
É com Ave Maria, é com Ave Maria, é com Ave Maria, Exu das Almas, É com Ave Maria"
"Ventou bem forte, a mangueira nem tremeu (2x)
Quando ouviu a gargalhada todo mundo estremeceu (2x)
Exu criado no meio da bruxaria
É melhor tomar cuidado, sabe tudo de magia"
Entre outros que não me lembro agora. Um praticante de umbanda ao tentar dar uma resposta para essa relação, fatalmente começará com os pontos de Exu. Mas ainda haverá aqueles que dirão: não, mas se trata de pontos da Pombogira da Figueira, Exu Mangueira, etc... Mas há também pontos de exu que se referem à árvores, sem que estes exus carreguem árvores nos seus nomes. Mais uma razão para manter a questão em aberto: por que a presença das árvores? E por que geralmente eles trazem os fundamentos de magia desses exus?
Minha hipótese (lembrando que chama-se hipótese, toda teoria que não foi ainda verificada) é que podemos encontrar essa resposta nas lendas de Tempo. Não à toa o título dessa postagem é "tempo e memória ancestral".
Tempo, o Orixá da árvore, tem lá suas magias e oscila no tempo. Durante o dia tempo reside na árvore em certos horários (que às vezes só podem ser vistos no jogo de búzio), pois seu elemento principal é o ar... Mas é na noite que o grande mistério da árvore surge. À noite a árvore é residência das Iamys, as feiticeiras ancestrais. Reza a lenda que não se deve tocar a árvore de tempo, ou até mesmo passar sob sua copa durante a noite e madrugada, pois nesse horário toda sorte de magia se realiza por lá.
Para quem não sabe, as Iamys são as mães ancestrais, as bruxas, o lado "negativo" de algumas Iabás (Oxum, Nanã, e Iansã). Representa o lado obscuro dessas Iabás. São as senhoras do pássaro, que aqui no Brasil é a coruja - será por isso que alguns relacionam pombogira com corujas?
As folhas dessa árvore se colhidas à noite são consagradas à exu. Porque quando se fala de Tempo, até mesmo seu trato na árvore tem tempo certo pra acontecer.
Assim, relacionar árvore à Exu é algo já "previsto" na mitologia de Tempo, e nada de distinto, ou longínquo daquilo que aparece nos nossos terreiros de umbanda.
Não sei se a relação que faço é certa ou errada, mas parece fazer muito sentido! E como da última vez que pensei em uma relação do tipo, temi escrever a respeito e anos depois encontrei minha hipótese esquecida em artigo em livro especializado, aqui vai minha humilde contribuição para pensar a memória da umbanda, como memória ancestral trazida por nossos antepassados negros que são pretos velhos e exus que baixam em nossos terreiros.
Eu penso e acredito que há muito de negro nos terreiros de umbanda, mas que a maioria pensa não ser negra por estar na umbanda.
Suspeito mesmo que até nas umbandas mais "brancas" reside algo negro que não se resume aos cânticos para os orixás. Algo que remete à algo mais profundo que a mera menção ao orixá. Creio que reside uma reminiscência Banta referente à prática ritual, à forma de compreender cosmologicamente o terreiro, o espaço sagrado, os momentos de culto, etc. Mas isso já é tema para outra postagem...
27 de mar. de 2017
As Nações do Rio de Janeiro
Documentário interessante que encontrei sobre as nações de candomblé do Rio de Janeiro. O que me chamou a atenção em particular foi a fala do Ferreti acerca da prática da Cabula no RJ pós abolição da escravatura. Muito embora a fala seja breve, explica a razão da separação entre candomblé e "umbanda" (na época, cabula) por meio da separação entre centro urbano e subúrbios.
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20 de jan. de 2017
Iroko - Tempo - kitembo
Difícil traçar exatamente a data do meu interesse por esse Orixá que não é cultuado na umbanda. Provavelmente meu interesse começou por causa de um sonho, há alguns anos atrás, onde eu via esse orixá sem ao menos saber que era "Ojá" o nome da faixa que o vestia. No sonho ele lembrava uma árvore, mas tinha feições, como tantos outros que me apareceram no mesmo sonho. Fiquei na dúvida e extremamente intrigada, pois ele era alto, tão alto, que eu não conseguia ver onde ele terminava. Lembro que foi uma amiga do terreiro que eu frequentava na época que, após eu narrar o sonho, me falou que provavelmente era Tempo representado em meu sonho. Mas o fato da umbanda não cultuar esse orixá, unido à outras tantas atividades, me fez colocar Tempo em segundo plano.
No final de 2016, por outras razões, Tempo apareceu novamente trazido por um preto velho. Lembrei desse sonho de muitos anos atrás e fui em busca do Tempo e tropecei numa árvore (logo eu, tão afeita às árvores, às plantas, à terra...rs). Qual era ela, Gameleira Branca? Ficus Religiosa? Cajazeira? Até em Mangueiras Tempo pode encontrar culto. A ideia de haver um Orixá em uma árvore de cara me fascinou. E que essa árvore deveria ser tão alta, mas tão alta, a ponto de ligar a terra e o céu, explicava porque no sonho eu não conseguia ver o topo daquele que vestia o "Ojá" (vamos chamar assim, já que hoje sei o nome certo da faixa).
Lá fui eu atrás de tempo e comprei um livrinho da Coleção Orixás da Editora Pallas, que sinceramente recomendo a quem se interessar pelo Orixá. Eu já havia comprado o livro de Exu da mesma coleção e gostei muito, muito embora o texto tenha perfis diferentes. Exu é escrito por um antropólogo e, por isso, tem um tom mais técnico que reúne diferentes concepções de Exu (o que é muito bom, também). Iroco tem um ritmo diferente, pois tem dois autores que pertencem ao candomblé. O livro me esclareceu muito acerca do Orixá em algumas questões, por exemplo, em Angola onde Tempo é inquice e rei da nação, ele pertence a família de Omulú (Cavungo), melhor dizendo, é irmão de Omulú.
Mesmo tendo lido atentamente o livro ainda é difícil fazer uma postagem a respeito do Orixá que mora na árvore. Existem sutilezas referentes às diferentes tradições em que esse Orixá/Inquice/Vodun pode aparecer. O livro trata um pouco dessas sutilezas, muito embora deixe claro desde o começo que os candomblés do Brasil, nos dias de hoje, sofreram um sincretismo interno, associando à um único Orixá características que podem ser de inquices e de Voduns. Maior exemplo disso, a meu ver, é Nanã Buruquê, que "originalmente" é um Vodun, mas que é cultuado nos diversos candomblés e na umbanda também. Tendo essa premissa podemos pegar algumas características de Iroco, Loco, Tempo e sintetizá-las no culto à àrvore. Quais características são essas? Segue um pouco do que entendi.
Tempo não apenas é alto, tão enormemente alto, a ponto de ligar o céu (Orun) e a terra (Ayê). Tempo também é velho, muito velho. Tão velho que diz um dos primeiros Itãs de Ifá descritos no livro citado que foi ele quem deu a Oxalá o seu Opaxorô. Por isso mesmo, Tempo guarda também os ancestrais, os mortos, pois existe e vive desde o início do mundo. Foi pelos galhos de Tempo que os Orixás desceram à terra. Tempo conhece os segredos da vida e da morte, junto com Orumilá, de quem também é irmão.
Tempo é livre, não gosta de lugares fechados. De sua liberdade segue que não tem pudores. Pode ser um grande refúgio para os filhos de Axé, mas à noite esconde em suas copas os segredos das Iyamís, das grandes feiticeiras.
Tempo é movimento, transformação. Elemento ar.
Tempo é fértil, sendo frequentemente procurado por aqueles que desejam ter filhos fortes.
Tempo se comunica com todos os Orixás por meio do vento que embala suas folhas, nas folhas, no tronco, na água que bebe, na terra que lhe dá a vida. Podemos encontrar nele a síntese da vida!
Tempo é lindo e dele depende tudo. Não é à toa que é o Rei do povo de Angola.
E o melhor de tudo, ele está na árvore, reside nela e é o pai de todas as árvores que existem. Tanta coisa em algo tão simples como uma árvore!
Mas logo a seguir me veio a seguinte questão: será que podemos encontrar tempo em qualquer árvore?
Quando pensamos nisso a coisa se torna ainda mais interessante. Porque há também associação entre árvores e Orixás:
Apaocá - Jaqueira - é atribuída as Iyamís, mães ancestrais. No livro acima é associado a uma qualidade de Iemanjá.
O Flamboyant é relacionado à Xangô.
O Cajazeiro aparece no Livro como uma das residências de Tempo no Maranhão. Mas em outro livro (que já, já citarei aqui) é colocado como ancestralidade de Ogum.
A Amendoeira também é associada às Mães ancestrais.
A Mangueira, também citada no livro como uma possível residência de Iroko, é atribuída à Ogum. Muito embora na umbanda suas folhas representem Oxossi.
E por fim a Gameleira Branca, popular em várias casas de candomblé, e árvore mais encontrada em qualquer pesquisa Google relacionada à Tempo.
Porém, nenhuma dessas árvores aqui mencionadas são originárias da África, de onde Iroco, Loco, Tempo vieram. Como ocorre essa associação com as árvores "nativas"? Dá pra saber um pouco mais sobre isso nesse artigo "intercânbio de folhas na diáspora" do Blog Gunfaremim (blog que recomendo a leitura pra quem quer saber de folhas).

Dentre tantos encontros e desencontros com Iroco/Tempo, encontrei a chave da resposta em outro livro: A Floresta Sagrada de Ossaim, o segredo das folhas, de José Flávio Pessoa de Barros, também editado pela Pallas (que já quase me levou à falência...rs). Nesse livro encontrei as IGI, as grandes árvores que são consideradas as moradas dos ancestrais e de alguns Orixás. São as arvores de grande porte e cujo tempo de vida perpassa gerações. O Baobá é, até hoje, uma IGI cultuada e respeitada na África.
E aqui no Brasil?
Considerando todas as informações desencontradas sobre "onde" tempo reside, e as variações tantas que encontramos em diferentes casas tradicionais de candomblé de raiz Bantu e Jege, podemos formular uma hipótese: qualquer árvore que possua uma ancestralidade de Orixá e, principalmente, tenha o tempo (cronológico) e o porte necessários podem ser residências de Tempo. Basta que se prepare a árvore e suas raízes adequadamente para servir a essa finalidade. Nos terreiros tradicionais encontramos além da Gameleira, a Mangueira e o Cajazeiro. Mas poderia ser Jequitibá, Baobá, Seringueira, etc...
Tempo é raiz, é tronco, é folha, fertilidade gerada em frutos. Ter Iroko em um terreiro significa proteção e longevidade (é a raiz quem sustenta o tronco e as folhas), sinônimo de tradição e fundamento. Iroko comunica Céu e Terra, traz a força de todos os Orixás (por isso em alguns lugares ele traz em si todas as cores). É um Orixá de movimento, nada calmo. Orixá fun fun (que veste branco) na nação Angola, a quem se pede calma, pois pode ser implacável. Tempo protege, porque conhece todos os segredos ancestrais. Se relaciona com as Iyamis, os abiku, e demais espíritos das florestas. Sua presença em uma casa significa também a possibilidade de transmutar qualquer energia ruim em coisas boas...
Tempo o Orixá/Inquice das transformações, mas que sempre estende um mastro com uma bandeira branca para que seus filhos não se percam.
Nas palavras de um preto-velho, "sem tempo nada se faz".
Curiosamente, depois que o preto-velho trouxe novamente tempo pelo braço, àquele mesmo Tempo com o qual eu já havia sonhado e esquecido, uma série de mudanças radicais aconteceram. Hoje, depois dessas mudanças, vejo que estou cercada de Mangueiras em minha residência. Mangueiras que devem ter bem mais de 50 anos. Mangueiras ancestrais de Ogum e que também servem de residência pra Tempo. É impossível para mim olhá-las e não cantar:
Ê tempo macura dilê, ê tempo macura tatá...
Mesmo tendo lido atentamente o livro ainda é difícil fazer uma postagem a respeito do Orixá que mora na árvore. Existem sutilezas referentes às diferentes tradições em que esse Orixá/Inquice/Vodun pode aparecer. O livro trata um pouco dessas sutilezas, muito embora deixe claro desde o começo que os candomblés do Brasil, nos dias de hoje, sofreram um sincretismo interno, associando à um único Orixá características que podem ser de inquices e de Voduns. Maior exemplo disso, a meu ver, é Nanã Buruquê, que "originalmente" é um Vodun, mas que é cultuado nos diversos candomblés e na umbanda também. Tendo essa premissa podemos pegar algumas características de Iroco, Loco, Tempo e sintetizá-las no culto à àrvore. Quais características são essas? Segue um pouco do que entendi.
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Iroco e os espíritos ancestrais que residem nele. |
Tempo é livre, não gosta de lugares fechados. De sua liberdade segue que não tem pudores. Pode ser um grande refúgio para os filhos de Axé, mas à noite esconde em suas copas os segredos das Iyamís, das grandes feiticeiras.
Tempo é movimento, transformação. Elemento ar.
Tempo é fértil, sendo frequentemente procurado por aqueles que desejam ter filhos fortes.
Tempo se comunica com todos os Orixás por meio do vento que embala suas folhas, nas folhas, no tronco, na água que bebe, na terra que lhe dá a vida. Podemos encontrar nele a síntese da vida!
Tempo é lindo e dele depende tudo. Não é à toa que é o Rei do povo de Angola.
E o melhor de tudo, ele está na árvore, reside nela e é o pai de todas as árvores que existem. Tanta coisa em algo tão simples como uma árvore!
Mas logo a seguir me veio a seguinte questão: será que podemos encontrar tempo em qualquer árvore?
Quando pensamos nisso a coisa se torna ainda mais interessante. Porque há também associação entre árvores e Orixás:

O Flamboyant é relacionado à Xangô.
O Cajazeiro aparece no Livro como uma das residências de Tempo no Maranhão. Mas em outro livro (que já, já citarei aqui) é colocado como ancestralidade de Ogum.
A Amendoeira também é associada às Mães ancestrais.
A Mangueira, também citada no livro como uma possível residência de Iroko, é atribuída à Ogum. Muito embora na umbanda suas folhas representem Oxossi.
E por fim a Gameleira Branca, popular em várias casas de candomblé, e árvore mais encontrada em qualquer pesquisa Google relacionada à Tempo.
Porém, nenhuma dessas árvores aqui mencionadas são originárias da África, de onde Iroco, Loco, Tempo vieram. Como ocorre essa associação com as árvores "nativas"? Dá pra saber um pouco mais sobre isso nesse artigo "intercânbio de folhas na diáspora" do Blog Gunfaremim (blog que recomendo a leitura pra quem quer saber de folhas).

Dentre tantos encontros e desencontros com Iroco/Tempo, encontrei a chave da resposta em outro livro: A Floresta Sagrada de Ossaim, o segredo das folhas, de José Flávio Pessoa de Barros, também editado pela Pallas (que já quase me levou à falência...rs). Nesse livro encontrei as IGI, as grandes árvores que são consideradas as moradas dos ancestrais e de alguns Orixás. São as arvores de grande porte e cujo tempo de vida perpassa gerações. O Baobá é, até hoje, uma IGI cultuada e respeitada na África.
E aqui no Brasil?
Considerando todas as informações desencontradas sobre "onde" tempo reside, e as variações tantas que encontramos em diferentes casas tradicionais de candomblé de raiz Bantu e Jege, podemos formular uma hipótese: qualquer árvore que possua uma ancestralidade de Orixá e, principalmente, tenha o tempo (cronológico) e o porte necessários podem ser residências de Tempo. Basta que se prepare a árvore e suas raízes adequadamente para servir a essa finalidade. Nos terreiros tradicionais encontramos além da Gameleira, a Mangueira e o Cajazeiro. Mas poderia ser Jequitibá, Baobá, Seringueira, etc...
Tempo é raiz, é tronco, é folha, fertilidade gerada em frutos. Ter Iroko em um terreiro significa proteção e longevidade (é a raiz quem sustenta o tronco e as folhas), sinônimo de tradição e fundamento. Iroko comunica Céu e Terra, traz a força de todos os Orixás (por isso em alguns lugares ele traz em si todas as cores). É um Orixá de movimento, nada calmo. Orixá fun fun (que veste branco) na nação Angola, a quem se pede calma, pois pode ser implacável. Tempo protege, porque conhece todos os segredos ancestrais. Se relaciona com as Iyamis, os abiku, e demais espíritos das florestas. Sua presença em uma casa significa também a possibilidade de transmutar qualquer energia ruim em coisas boas...
Tempo o Orixá/Inquice das transformações, mas que sempre estende um mastro com uma bandeira branca para que seus filhos não se percam.
Nas palavras de um preto-velho, "sem tempo nada se faz".
Curiosamente, depois que o preto-velho trouxe novamente tempo pelo braço, àquele mesmo Tempo com o qual eu já havia sonhado e esquecido, uma série de mudanças radicais aconteceram. Hoje, depois dessas mudanças, vejo que estou cercada de Mangueiras em minha residência. Mangueiras que devem ter bem mais de 50 anos. Mangueiras ancestrais de Ogum e que também servem de residência pra Tempo. É impossível para mim olhá-las e não cantar:
Ê tempo macura dilê, ê tempo macura tatá...
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